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  • LU FERREIRA: ERRO, DESCOBERTA E MISTÉRIO

    Lu Ferreira (Jaboatão dos Guararapes - PE, 1984) construiu seu percurso criativo através de uma busca obstinada por práticas de desconstrução e profunda interlocução com objetos, materiais e presenças de sua cotidianidade. Nesta entrevista, o artista, radicado em Olinda, compartilha com a Propágulo como seu trabalho reúne elementos de origem múltipla, mas que são criteriosamente transmutados a partir de sua sensibilidade. Memória, improviso, estudos científicos e jazz encontram-se no artista, manifestando-se em um trabalho que flerta com o erro, a descoberta e o mistério. Foto: Victor Campanário ELIZABETH BANDEIRA - Como se deu o início da sua trajetória artística? Desde o início a pintura foi a linguagem com a qual você teve mais intimidade?   LU FERREIRA - Tive uma infância apaixonada por coisas que não se explicavam. Via formas naquilo que ninguém mais via. Era fascinado por lodo, por deformidades nas paredes… Esses eram meus divertimentos de criança. Desde os dez anos desenho e crio uma relação especial com as células e, até hoje, meus trabalhos são baseados nelas. São pesquisas sobre ciência que acabo trazendo para o campo da abstração.  Meu entendimento enquanto artista veio muito da minha aproximação com o Erik Ordanve, que esteve presente na [terceira edição da] Propágulo. Estava há 3 anos sem sair de casa devido a uma depressão profunda e, nessa época, ele começou a me trazer livros de arte e materiais de pintura para práticas arteterapêuticas e iniciou a minha sociabilização com outras pessoas. Ele foi a primeira pessoa a me proporcionar esse contato com o mundo da arte no geral, seja pesquisando sobre ou frequentando mais exposições. Erik foi percebendo que eu estava desenvolvendo uma linguagem própria, algo que ainda era verde, mas onde ele via potencial — e eu comecei a perceber isso junto a ele também. Foto: Ana Pigosso EB - Que ferramentas você utiliza no fazer de suas pinturas? LF -  Fui uma criança excluída, seja pela família, seja pelas amizades. Uma criança sensível, neuroatípica, que não socializava com as pessoas da forma convencional. Eu me importava com os pequenos fragmentos das materialidades. Era fascinado por cadeira, por mesa, tenho uma relação íntima com objetos desde criança, de forma que esses materiais conversam comigo. Eles pedem para que eu os ressignifique. Minha vó era a única pessoa que me defendia. E, cara, lembro que quando o Erik me conheceu, ele viu uma das minhas pinturas, o nome da obra é Demasiada instituição , uma pesquisa sobre traumas. Esse trabalho relembra um episódio com uma professora minha que claramente não sabia lidar com uma criança autista. Hoje, tenho 40 anos, então imagina como era difícil antes. Ela falou para mim que eu era ninguém, que não ia dar em nada. E eu, criança, ficava no fundão, desenhando células na carteira da escola. Ela falou que eu era que nem aquelas cadeiras que estavam descartadas no canto da sala de aula. Era uma escola sucateada: tinha muita cadeira, uma sobre a outra. Mas nesse sentido, eu era muito próximo dessas cadeiras porque elas conversavam comigo, estava no fundão também com elas. Então fiz essa pintura. Várias cadeiras repetidamente feitas de cabeça para baixo, até que elas perdem o sentido e se transformam em outra coisa. Erik viu aquilo e começou a me trazer material de pinturas. Aprendi todas as técnicas de pintura, desenho e gravura com ele. Vai fazer 14 anos que sou artista plástico. Essa comunicação que os objetos têm comigo é algo verbal e não verbal. Tem coisas que não posso deixar para trás, pois existe uma necessidade grande de resgatar materiais e trazê-los comigo. A questão da comunicação é importante para mim, entender o que aquele objeto quer, o que deseja comunicar, qual a importância que ele quer dar para o mundo. Quando se trata de pintura, digo que não me considero pintor, me considero um condutor dos processos desses utensílios.  Foto: Ana Pigosso EB - Você desenvolveu uma técnica de “lavar” as pinturas. Pode nos contar mais sobre o processo físico e emocional que envolve a lavagem e o impacto que ela tem no resultado final? LF -  Minha pesquisa procura entender sobre movimento, trabalhos que incorporam elementos diversos que se convergem e se misturam. Tento retirar o suco das coisas, porque me encanta a questão do desgaste, da lavagem, de esfregar telas a fim de retirar algo. Crio através de uma desconstrução, de uma anti-técnica. É o que faz com que o trabalho se desloque para um outro lugar. Porque o material convencional, ele responde à pintura, ele a resolve. O material não convencional problematiza o ato e a consequência da ação. Esses materiais parecem, de início, animais indomáveis com os quais vou lidando até que aconteça algo interessante para esse contexto de pintura. Uma vez, para uma encomenda, fiz o processo de lavagem 280 vezes. Quanto mais problematizo a pintura, mais ganho tenho, mais informação, pois ela perde essa coisa estática. Nesse processo, consigo deixar uma obra com aspecto de 60 anos em 3 dias, porque estudei muito restauração de obra e tenho curiosidade com a questão do desgaste.  Fotos: Ana Pigosso EB - Suas obras dialogam com as noções de efemeridade e transmutação. Como surgiu esse interesse e o que você busca investigar a partir dessas temáticas? LF -  Há um tempo atrás, andando na rua, passei por um lixo e tinha um material que falou comigo. Era um livro que tava todo cagado, cheio de merda humana. Comecei a folhear ele com um pedaço de madeira. Falava sobre células do corpo humano. Fui até minha casa, peguei um caderno e comecei a anotar as palavras que existiam lá, que me eram interessantes. Comecei a me aprofundar sobre as  células do corpo humano, morfologia, botânica, coisas do tipo. Estudei durante 13 anos, essas pesquisas ainda existem e sigo escrevendo sobre elas. Tenho um microscópio para fazer a manipulação dos organismos vivos que coleto. Retiro o tecido dessas células microscópicas e pratico esses movimentos de células em tela. Meu trabalho também é muito envolvido com o sincretismo religioso. Eu vejo que os artistas negros estão sempre ocultando coisas e acho que tem a ver com questões religiosas. Acredito nisso. E a técnica da lavagem, inclusive, envolve esse ocultamento, igualmente.   Foto: Ana Pigosso EB - Quais são as suas referências artísticas? Existe algo ou alguém importante de mencionar em seu processo e na sua trajetória? LF - Meu trabalho também é baseado em pesquisa de jazz, que é um ritmo que estou sempre escutando para produzir. Leio muita partitura, quando o ritmo quebra, eu quebro a cor também e a tela vai seguindo uma cadência cromática a partir disso. Quando uma obra vai mais para um free  jazz, no estilo Ornette Coleman, começo a usar o lápis, outros materiais que são mais fritados. Melvin Way, um artista negro norte-americano, tem tudo a ver com a história da minha vida, a passagem por hospitais psiquiátricos….  Minha primeira referência de pesquisa sobre revelar e ocultar elementos em uma obra foi Caravaggio, um estudo primordial que entende que a luz revela as ações. Também me inspiro em William Pope.L, Hilma af Klint, Pichay, Diabolin de Olinda e Augusta Savage. Mas, em geral, minhas grandes referências estão na música: Thelonious Monk, John Coltrane, Don Cherry  e, como citei, Ornette Coleman.  Foto: Ana Pigosso EB - Sua pesquisa é principalmente pautada na pintura, mas você tem alguma nova direção ou material artístico que deseja investigar futuramente? Algo que ainda não tenha feito? LF -  Escrevo e tenho projetos sobre arte conceitual e performance. Quero fazer uma performance com Ana Neves , a partir de uma pesquisa que venho desenvolvendo sobre o Albert Camus, um estudo que vem desde 2011. A pintura foi a primeira técnica que tive a inteligência em manipular, entendendo como o mercado funciona. As obras mais caras ainda são as em tela. A performance para mim ficou em segundo plano, mas tenho muito interesse.  EB - Gostaria de saber mais sobre o improviso dentro do seu trabalho. O que há para além do erro e o que o mesmo significa dentro de sua obra? Como você lida com a ideia de encontrar na tela um caminho que vai se construindo a partir desse aspecto, sem a necessidade de um roteiro? LF - A questão do erro é importante para mim. É um se perder poético no meu trabalho, que envolve esforço físico, atenção e entrega. Tenho uma obra que foi inspirada em um dia em que eu estava acompanhando um bloco com Marlan  e vimos um passista frevando e, de repente, ele tropeçou, quase caindo de cara no chão, mas fazendo um movimento rápido que freou esse impacto. Pensei: “Meu trabalho é isso, cara! É um tropeço, tá ligado? Um tropeço que vai desembocar em outro lugar”. E nem à toa que coloquei o título da obra como Tropeço do passista . Não é um tropeço, é frevo. Meu material está sempre errando. Foto: Victor Campanário

  • FRÁGIL PELE DA MEMÓRIA

    Buscar o que se deseja é submeter-se à fragilidade da exposição. Entender-se tangível, capaz de fissura e, por que não, ao haver afinidade de sentimentos, transcender a própria matéria através deste querer. São diversas as criações que dialogam com manifestações distorcidas da atração inconsciente, as quais só podem ser entendidas dialeticamente em relação à vida desperta de quem sonha. No entanto, não há provas de que qualquer pessoa que observe o trabalho de amorí (Ribeirão - PE - 1995) em algum momento acorde do sonho ao qual foi lançada. Seja a escultura Sinda , uma estrela que tinha como grande aspiração despencar do céu e num mergulho profundo se encontrou com o mar, ou por meio dos mistérios expostos na tela de Alvorada dos desejos,  observa-se como cada obra proposta pela artista está no ponto de fronteira entre o que é possível de recordar de sua história e o que é preciso imaginar, perseguir, a fim de agenciar a lembrança do que um dia foi experienciado, seja por seus próprios ancestrais, seja pela esmaecida versão de quem outrora se foi.  Detalhes da obra "Alvorada dos desejos", óleo sobre tela, por amorí. Fotos: Fefa Lins Ao investigar os rastros do seu passado artístico, amorí rememora que, desde criança, sempre foi encantada pela mistura, pelo teste. Embora consiga agora direcionar o seu trabalho de maneira mais assertiva, o mesmo ainda é carregado de experimentalidade e isso passa pelos materiais que pesquisa, sempre escolhendo aqueles que a chamam mais atenção. Foi o fascínio pelo tridimensional e a ideia de pele exposta que a fez ir além da aquarela, muito plana e lisa, para mergulhar, em 2020, em materiais de distintas texturas: gazes, ataduras, gesso e látex passaram a fazer parte da sua feitura.  “De início, ainda experimentava com vermelho, o que trazia uma visceralidade interessante para o trabalho, mas cansava ser tão feral. Entendo que esse período era de expurgo, mas, internamente, com o tempo, foram surgindo outras necessidades. Hoje já transito por uma seleção cromática completamente diferente, mais aterrada, e que investiga cores como o Azul da Prússia e Amarelo de Níquel. Minha pintura é como um retrato do que faço no tridimensional". "Quando estou desenvolvendo esculturas, até rabisco, mas ainda assim sem tanto compromisso com o croqui. Essas formas vão surgindo intuitivamente, a partir da mistura, do teste com materiais disponíveis. Para além da experimentação, existe o meu imaginário, tudo que já vivi, memórias”, disserta a artista ao falar sobre a escolha por trás dos seus materiais de ofício e os impulsos de criação que os mesmos viabilizam". O processo de criação para amorí também é tomado por muitas interlocuções culturais e de visualidade, sendo a colega de profissão Rayana Rayo  uma grande referência à sua prática. “Também gosto muito de Ivens Machado, porque ele trabalha com material de reuso. Sonia Gomes, pois ela traz a torção e a experimentação mais livre das formas que vão surgir a partir das envergaduras, questões que pesquiso também. Brígida Baltar me fez repensar meus registros enquanto artista, inclusive desbloquear a questão dos croquis para as minhas esculturas. O ‘Projeto Terra’, do Juraci Dórea, me despertou o desejo de trabalhar com estacas de madeira, que já trago a ideia atualmente em algumas pinturas. Tenho apreço também por Miguel dos Santos”, lista a artista. Existem lembranças da Zona da Mata Sul, longe do campo das Artes, que influenciam e ganham forma até hoje nas telas de amorí. Uma delas é que, por ter crescido nas terras pertencentes a uma família muito abastada, os campos abertos e imensas edificações da propriedade tornaram-se referências que carrega na construção das imagens e perspectivas presentes nas suas pinturas. A outra, que não se posiciona enquanto memória, mas justamente a falta dela, está no descontentamento com o escasso acesso a uma importante parte da sua história. A fim de esquivar-se dos danos da desterritorialização da Mata Sul, amorí percebe em sua produção, tanto a escultura como a pintura, um resgate, de modo que propõe um “discurso dialógico entre a rede que desenha o espaço, o corpo, o vazio e seu lugar no mundo como comunicação" ¹. Foto: cortesia da Galeria Luis Maluf É na prática diária, portanto, que o trabalho de amorí vai se configurando como uma forma de navegar no tempo, ou “uma espécie de episteme – ou outra sondagem, de revelações de campos privados, onde seria então uma espécie de ato desejante” ² .   Para a artista,   o desejo e a imaginação são pontos marcantes que atravessam sua poética enquanto agentes transformadores. “O meu trabalho tem sido cada vez mais importante para mim, de forma que construí nas telas e esculturas esse lugar onírico e fantasioso que muitas vezes tem me faltado. A supressão do que seria essa magia no estado de vigília reflete verdadeiramente na minha produção”.   ¹ A esse respeito, ver Mónica Amor, Entre espacios: la Reticulárea y su lugar en la historia. Gego, a catalogue of the exhibition at the Fundación Cisneros and Museo de Bellas Artes de Caracas, 2003. ²  HERKENHOFF, Paulo. Autonomous doodles, verbal scrawls and erasures on drawing in South America. In: RAMIREZ, Mari Carmen (ed.). Re-Aligning Vision: Alternative Currents in South American Drawing. Austin: The University of Texas at Austin, 1997. p.72-85.

  • ANA NEVES: EXERCÍCIOS DE DERIVA IMAGÉTICA

    Ao transitar entre desenho, pintura e literatura, Ana Neves (São Vicente Férrer - PE - 1998) investiga dinâmicas de migração, fluxo, mudança e identidade. Nesta entrevista à Propágulo, ela compartilha as principais referências visuais e poéticas que permeiam sua produção, elementos que comportam seu repertório artístico, detalhes do seu processo criativo e a relação entre suas obras e vivências pessoais. ELIZABETH BANDEIRA - Atualmente você está situada em Recife. A saída da sua cidade natal, São Vicente Férrer, afetou de alguma maneira suas produções?  ANA NEVES - Vim para Recife no começo da minha adolescência, mas essa mudança influenciou muito na minha linguagem artística, pois muitos símbolos que uso em obras vêm desse fluxo de ter saído de uma região de Mata para cá. Hoje em dia, essa questão é muito menos sensível para mim do que era há alguns anos atrás. Eu vislumbrava conseguir manter a minha vida morando lá, pois sempre foi muito caótico para mim viver na capital. É muita informação. Sentia falta das experiências mais simples: poder ir para escola andando devagar, conhecer as pessoas e as pessoas me conhecerem, o clima da região, menos horários rígidos, menos trânsito, menos conflito, enfim. Queria voltar, mas também tem a parte que é muito grave da região da Mata, que é não existir investimento algum para que se trabalhe com o que eu trabalho.  Eu levava uma casa inteira na cabeça, acrílica sobre eucatex , por Ana Neves EB - O seu repositório criativo abarca materialidades variadas. Queria saber qual foi a primeira dessas técnicas que você teve interesse em investigar mais sobre. AN -  Sempre fui uma criança que gostava de desenhar. Minha mãe percebeu isso e me colocou na Escolinha de Artes do Recife ¹ , no bairro das Graças. Comecei a pintar lá, mas sem pretensão profissional. Teve um dia que uma galera foi até essa escolinha para fazer um grafite na parede e eu pensei: “Poxa, é isso que eu quero: cor, movimento e expressão!”. Nunca considerei essa minha aptidão como uma profissão possível, e só fui entender isso com mais tranquilidade depois de uma certificação acadêmica e validação das pessoas que me afirmavam que, sim, o que eu fazia desde os 12 anos de idade podia ser uma carreira.  EB - A pintura é um ponto marcante no seu repertório. O que te aproxima dessa linguagem? AN -  Meu nome começou a circular mais com a poesia e a literatura, pois auto publiquei dois livrinhos intitulados Macambira e PAFALA, que, além dos textos, continham ilustrações que geraram interesse no público. Acho que o desenho é o ponto marcante do meu repertório, porque, por mais que goste de pintar, e tenha feito isso com mais frequência, essa expressão ainda é uma grande questão para mim. É um processo confuso, no qual fico encarando muito a tela até gostar de algo, tentando acessar as cores. Nesse sentido, minha seleção cromática é composta apenas das cores primárias e o branco, não gosto de cores prontas e tento conseguir tudo apenas com essa paleta. EB - Algumas figuras costumam aparecer com frequência nas suas telas. Como se dá o estudo dos símbolos na sua pesquisa visual? E por que essa repetição? AN - As imagens que crio existem na pretensão de reformular lembranças, memórias, alcançar o momento vivido através das várias mudanças que a gente faz, do recorte até a edição. Um símbolo que uso bastante é um círculo fracionado, pois lembro de uma janela incomum que vi quando criança. Eu me sentia enfeitiçada por aquele “relógio meio sol”. Esses elementos aparecem em minhas produções como forma de me aproximar de imagens que já existem dentro de mim, mas que não me rodeiam mais.  EB - Como é para você a elaboração dessas figuras humanas? São personagens?  AN - Eu começo pela busca do meu próprio rosto, só que não me olho, não olho para nada para desenhar. Tento trazer da memória: começo pela mancha, e, na busca pela minha face, acabo encontrando no meio do caminho a de um parente. Esses rostos também são personagens de textos que escrevo.  À esquerda: Oiça, acrílica sobre papel paraná. À direita: Evidenciar, acrílica sobre tela. EB - Quais memórias e temáticas seguem rondando a sua produção? AN -  Sair de São Vicente e ter vindo muitas vezes para Recife pela estrada me deu muitas imagens de velocidade, de trânsito, de mudança. A região da Mata concentra a monocultura da cana-de-açúcar até hoje, mas a minha cidade exporta banana nacionalmente. Passava por bananais, canaviais e chegava em Recife. Quando as coisas não davam certo por aqui, voltávamos para São Vicente, então as temáticas de fluxo e refluxo acompanham minha produção.  EB - Entre o rascunho e a materialização do trabalho, quais as etapas do seu processo criativo? AN - Quase não há rascunho. O processo já acontece diretamente na superfície. À medida que vou fazendo, as surpresas surgem, pois não quero criar uma caixa de impedimento ao trabalho. O processo é tão importante quanto a obra no final. Sobre minha rotina, passo a tarde até a noite pintando no ateliê e meu processo está muito próximo do texto. Enquanto desenho, também vou escrevendo, e a imagem, muitas vezes, é reflexo da minha escrita. Se eu começo uma pintura e não consigo desenvolvê-la, já começo outra — é como se precisasse descansar desse mundo que crio para embarcar em outro por um tempo. Tenho facilidade para começar e dificuldade para terminar uma obra, porque é muito raro sentir que tem algo pronto ali. Preciso às vezes me dizer que sim, está finalizado, porque, senão, vou mexer na obra incessantemente. Ter calma para produzir não é algo incentivado no mercado do qual faço parte, então foi algo recente para mim entrar no ritmo de fazer e entregar a obra sem ter esse contato prolongado. Foi muito importante, inclusive, ter passado pela residência de três meses na Domo Domo e conseguir ficar mais tempo com as minhas obras.  Pra quem espera nenhuma demora é pouca, lápis e carvão sobre papel, por Ana Neves EB - Quais referências visuais, sonoras e textuais você mobiliza ao realizar suas esculturas e demais produções? AN - Tenho mais referência de texto do que de imagem. Sempre fiquei com medo de acabar vendo demais algo e tentar replicar, então me distancio do excesso de consumo, apesar de ser bastante estimulada por conta das redes sociais. No texto, admito que consumo muita poesia, então, de Miró, Stella do Patrocínio a Manoel de Barros, tudo me interessa. Eu também levo Câmara Cascudo como grande referência de pesquisa, além de ter os artistas do meu convívio como referência de imagem e forma de trabalhar. Da minha geração: Eduardo Bezerra Jr, Nando Portela, Luiza Morgado, Bisoro e Lu Ferreira. ¹ A Escolinha de Arte do Recife (EAR) surge no Movimento Escolinhas de Arte (MEA), iniciado nos anos 1940. O movimento tem por objetivo a pesquisa de novos parâmetros para a arte-educação, fundamentados na liberdade de expressão.

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