top of page

22 itens encontrados para ""

  • TERRAS EM TRAVESSIA

    “Caminhar pra trás, enganar o invasor”: biarritzzz e abr0s me gritaram em 2022 através de um curupira que caminhava pra trás, acompanhado dessa frase pixada num tapume pelas ruas. Se quem me ler for uma pessoa racializada que habita os diversos não-lugares das cidades, talvez possa reconhecer a emergência que mora nesse grito. Eu reconheci que não estava sozinha. É que desde 2020, em meio às incertezas do começo da pandemia, eu já andava caminhando pra trás junto a minha mãe e duas mais velhas da família, seguindo as pistas que a oralidade foi trazendo. O medo de perder essa nossa memória viva para o enorme descaso com a vida que imperava naquele período, fez a gente usar o que tinha para documentar o que guardávamos só na oralidade: desenho, pintura e as ferramentas contidas nos dispositivos móveis. Alguns desses achados, comecei a sistematizar através da arte, enquanto artista-pesquisadora no Núcleo de Práticas Artísticas Autobiogeográficas da UFG, depois esses e outros achados se tornaram meu projeto de mestrado em Antropologia Social, pela UFPB. Vim aqui contar um pouco do que fui encontrando nesse caminho: PASSOS QUE VEM DE LONGE Comecei me perguntando se eu poderia dizer que viajar ou talvez imigrar é uma tradição ancestral na minha família... É que pelo menos desde a geração dos pais da minha bisavó (que é até onde nossa memória familiar alcança) que temos o costume de ir morar em outro lugar que não o de nosso nascimento. Nessa pesquisa, além dos achados preciosos da oralidade, eu e minha mãe descobrimos alguns documentos sugerindo que talvez essa itinerância nossa seja muito mais ancestral do que a gente imaginava. Vou contextualizar vocês. Eu nasci em Recife, já mainha nasceu em Natal e hoje em dia mora no Sul da Bahia. Sua mãe foi uma das poucas da família a arriscar sair de Limoeiro do Norte - CE pra morar numa capital (Recife), mas é a história da família do pai da minha mãe que realmente me impressionou: meu avô materno nasceu no Rio de Janeiro, mas só por que sua mãe, minha bisavó, nascida e criada numa casa de taipa no bairro do Alecrim em Natal, não queria que o filho fosse registrado como nordestino (o mesmo aconteceu com minha tia-avó, anos depois). Mas o mesmo navio que a levou pra ter os filhos no Rio, depois trouxe todos de volta pra morar em Natal. O navio em questão era onde trabalhava meu bisavô, um capoeirista cuja família é de Valença-BA e que fazia parte da tripulação da marinha. O conheci quando nem me entendia por gente ainda, no finalzinho de sua vida. A bisa cheguei a morar com ela quando criança (enquanto minha mãe viajava) e durante minha graduação em Artes Visuais até 2012, quando eu me formei e ela veio a falecer. Não sabemos precisamente de que terra vieram os ancestrais da bisa Izabel, só temos a afirmação trazida pela memória de minha tia-avó Iza e por sua prima Adilse que minha bisa era descendente de indígenas e que sua mãe, Maria, era nascida em Igreja Nova (RN) e descendente de uma família que veio do Seridó. Vó Maria era rezadeira da comunidade onde foi morar (depois de casada) no bairro do Alecrim, na época que essa região era uma periferia cujo chão era de areia branca e as casas feitas de barro, aos arredores de Natal. Com a ajuda desses e outros relatos orais vindos de duas mais velhas da minha família, cruzando com relatos do povo que hoje habita a região de seu nascimento, recriei um retrato pra Vó Maria: Vó Maria Tarairiú, geotinta, tecido e folhas de manjerioba sobre tela, por Ianah Movida pela curiosidade de conhecer os lugares que já fizeram parte da história desse ramo da minha família, comecei uma série de itinerâncias por essa nossa memória. Como já era meu costume, fui coletando amostras das terras desses territórios para minha coleção de pigmentos naturais, que fabrico artesanalmente desde 2017 no meu ateliê pra fazer pinturas. Mas agora passei a me indagar: já que não temos uma terra de onde viemos, seria essa minha forma de “ter” todas as terras por onde as itinerâncias negras e indígenas da minha família já passaram? Andei atenta às cores das terras nos entre-lugares de Recife, Valença, Salvador, Natal, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Acari, Currais Novos, etc. Fiz uma cartografia cromática a partir dessa vivência, numa obra chamada Travessia Demarcada (2023). Travessia demarcada, geotinta sobre tela, galhos de jurema, fios de algodão e palha da costa, por Ianah TEM GENTE MORANDO NESSE CAMINHO Nessas andanças, fui conhecendo algumas pessoas que hoje residem em alguns desses territórios, e fiquei encantada ao saber que pertinho de um dos lugares da nossa memória, tem um povo lutando por sua terra e contra o apagamento da sua história e etnicidade ¹ : A Comunidade Indígena Tapuia Tarairiú Lagoa do Tapará. Essa comunidade fica num entre-lugar periurbano da Grande Natal, entre os municípios de Macaíba-RN e São Gonçalo do Amarante-RN, da qual Igreja Nova é atualmente distrito. Fui apresentada a essa comunidade através do olhar de uma família de artesãos, que me acolheram e se reconheceram nas minhas intinerâncias familiares. Josué Kyalonã Campêlo, artesão e uma das lideranças da comunidade, e sua esposa Akriptzé, me falaram que suas famílias também são um tanto itinerantes: ele morou muito tempo em São Paulo e a família dela vem do Seridó. Kyalonã me indicou algumas leituras sobre uma possível tradição semi-nômade dos Tapuia, entre elas, o texto de Olavo Medeiros Filho ² , que afirma que eles “mudavam frequentemente de acampamento, ao sabor das contingências alimentares” (FILHO, 1999, p. 249). Foi aí que todas essas nossas andanças fizeram um especial sentido pra mim: talvez faça mesmo muito tempo que a gente seja itinerante. Fui chamada por eles pra ajudar na organização da Feira Cultural que acontece todo ano em Maio, e desde 2022 tenho me somado a essa mobilização da comunidade ajudando principalmente a fazer os materiais gráficose em 2023, a cacica Francisca me chamou pra criar a arte da camisa e do cartaz desse evento, o que fiz com muito prazer, usando como referência os grafismos que Kyalonã já usava pra ilustrar a constelação do Setestrelo (um dos símbolos da re-existência Tarairiu) em seus artesanatos. À esquerda, Design da camisa da VII Feira Cultural Tapuia Tarairiú; à direita, Maracás feitos por Josué Quando contei sobre esse encontro com o Tapará e as artes feitas pra Feira pra minha tia-avó, ela me contou que aprendeu com sua mãe (a bisa Izabel) a reconhecer a constelação do setestrelo no céu. Ela me contou que se orgulhava de ser a única na sua turma da escola a ter conhecimento da existência do Setestrelo, embora talvez já não mais soubesse da conexão ancestral que essa constelação tem com as festividades da colheita, celebrada pelos Tarairius em retomada hoje em dia. Quando mostrei a Josué Kyalonã o vídeo em que ela falava sobre essa constelação, ele me disse, em uma entrevista concedida também em vídeo: [...] o fato de você ter na família alguém que cita o setestrelo, isso é muito importante, por que nem toda família tem esse privilégio na sua história oral, na oralidade. Então se chegou até você pela oralidade é uma prova, pra nós povos indígenas, é uma prova muito forte inclusive da linhagem da tua família. (informação verbal) ³ Desde que entendi que existem grandes chances da minha ancestralidade indígena vir dessa mesma nação sertaneja, passei a usar também pontualmente o Setestrelo em algumas obras minhas, sempre que quero fazer referência a esse caminhar pra trás ou diretamente a essa ascendência. Como na obra A Visita do Setestrelo, que é o retrato de um sonho que tive enquanto estava passando um período lá na comunidade do Tapará. A Vista do Setestrelo, geotinta sobre tela, por Ianah Não pretendo com isso fazer nenhuma afirmação identitária, necessariamente, mas mais do que tudo, fazer o que foi sugerido por Sidarta Ribeiro em seu livro Sonho Manifesto (2022): saudar e honrar nossas melhores ancestralidades. POR OUTRAS ROTAS Nessa busca, além de mergulhar nas estradas entre Recife e Rio Grande do Norte, também fui buscando referências e inspirações com artistas de outros povos, que também andaram fazendo esse movimento de usar a arte para caminhar pra trás, em direção a um futuro ancestral. Como é o caso do artista Luis May, escultor e ceramista da etnia Maya, que tem seu ateliê em Cobá, México, uma das zonas arqueológicas mais extensas (e ainda não tão desvendadas) do seu povo. Luis é escultor, trabalha com cerâmica, madeira e usa o barro pra retratar pessoas da sua cidade. E além das esculturas bastante realistas, Luis também tem estudado técnicas pré-hispânicas de arte, como uma forma de despertar uma cultura que anda um pouco adormecida, mas presente, entre os seus. Esse ano, depois de ser selecionada para uma bolsa de mobilidade artística pela FUNARTE, fui aprender com Luis sobre arte e sobre a história de (re)existência ⁴ do seu povo. Luis tem se destacado nessas suas pesquisas ancestrais principalmente pelo sucesso que ele teve ao recriar a antiga (e até então perdida) receita para o Azul Maya, pigmento milenar que já foi datado em alguns templos Maya (como o de Bonampak) como uma cor que está resistindo ao tempo desde muito antes da invasão espanhola. Esse pigmento é feito a base de terra e outros ingredientes naturais que estão muito bem guardados em segredo entre os parentes de Luis. ⁵ Lá no seu ateliê aprendi a fazer cerâmica, reboco, pigmentos e aglutinantes naturais, seguindo a tradição pré-hispânica dos Maya. Aprendi também que existem outros artistas também fazendo essa re-existência ancestral entre os Maya que habitam o campo e as cidades, e que quase sempre a arte está no front em suas lutas. Artes feitas por Ianah e Luis May durante a residência artística / Acervo pessoal de Ianah Voltei do México em Maio deste ano com mais uma cor de terra na bagagem. Uma terra pintada de um azul que é natural assim como a cultura Maya que ainda molda e re-existe naquela região. Tenho minha primeira terra internacional na minha coleção, também o primeiro azul pra minha paleta. Tenho também bastante material pra transcrever nos áudios gravados em campo e muito trabalho pela frente nas minhas andanças para pesquisas artísticas e acadêmicas. E vi que de fato nem de longe estou sozinha nesse caminhar pra trás. De fato não pertenço a nenhuma dessas terras por onde passo. Não o suficiente pra dizer que qualquer uma delas seja a “minha” terra (talvez Recife, onde fui uma das poucas da família a nascer e ser criada). Mas todas essas terras pertencem às cores da minha travessia, que pelo visto já vem acontecendo há muito mais que 500 anos e há de seguir acontecendo por pelo menos uma vida inteira. Aprendi com a agroecologia que os saberes são sementes a serem dispersadas e multiplicadas. Se tudo der certo, essas sementes da memória hão de reflorestar todo o apagamento feito nas terras desse caminho. Autocultivo III, pintura com terra, por Ianah  ¹ CARVALHO, F. P. De; MARQUES, J.; FIALHO, V. Tapuias Tarairiús da Lagoa do Tapará: Origens, Cultura e Ambiente. Nova Cartografia Social do Nordeste, 2021. n. 1. ² FILHO, O. M. Os Tarairiús, Extintos Indígenas do Nordeste. Em: ALMEIDA, L. S. De; GALINDO, M.; SILVA, E. (Org.). Índios do Nordeste: Temas e Problemas. Maceió: EdUFAL, 1999. ³ CAMPÊLO, Josué Kyalonã Jerônimo. Entrevista Josué 2. [jun. 2022]. Entrevistadora: Ianah Maia de Mello. Macaíba, 2022. Entrevista Josué 2.mov (59 segs). ⁴ ALBÁN ACHINTE, A. Arte y estética en la encrucijada descolonial. 2a edición ed. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2009 (p. 94, rodapé). ⁵ MELLO, Ianah Maia. Diário de Campo: Residência Artística Ancestral. Cobá, México [s.I] , 2024.

  • SIMBOLOGIA ANCESTRAL NA ARTE DE DIOGUM

    Em conversa com a redatora Elizabeth Bandeira, Diogum (1986) compartilha a sua trajetória artística, desde a infância até a rotina de criação das suas esculturas em ferro. O diálogo também acompanha a história por trás da obra "Ofá de Oxóssi" e quais as principais referências que refletem no trabalho atual do artista.   ELIZABETH BANDEIRA - Qual o seu nome, sua idade e de onde você é?  DIOGUM - Olá, me chamo Diogum. Tenho 38 anos e sou um artista pernambucano, morador de Bonsucesso, bairro histórico de Olinda, que sedia o Homem da Meia-Noite.  EB - Você poderia contar pra gente quais são as suas memórias iniciais com esse material? Além disso, de que forma esses elementos são conectados com o início da sua trajetória artística?  D - Esses elementos estão presentes na minha vida desde a infância. Quando criança, meus brinquedos, até carrinhos pequenos, eram de ferro ou aço. Tinha acesso a esses materiais porque meu pai, Zaqueu, também era metalúrgico e um grande serralheiro. Era meu mestre e um cara muito sábio. Aprendi com ele a técnica, mas fui desenvolver minha arte depois de adulto.  EB - Como é o seu processo criativo? Do rascunho até a materialização do seu trabalho. D- Às vezes faço o rascunho da peça na minha bancada de trabalho, ou passo para o papel. Para as minhas esculturas de Ofá, me inspirei em pencas de balangandãs, que são jóias crioulas do século XIX. Naquela época, os ourives pretos não podiam ter as mesmas jóias que os brancos, ou da Coroa Real, então eles fabricavam seus próprios adornos. Então fui desenvolvendo várias obras que possuem um movimento que evoca leveza. Ogum, que é o senhor do ferro da tecnologia, é meu orixá. Sou ogã também, então meu trabalho é ligado ao contexto da ancestralidade e do candomblé. Por exemplo, o Ofá no múltiplo da Propágulo temos o símbolo de Xangô, um machado da justiça, o símbolo de Exu, representado por um tridente, que é o divino e o terreno, tem o Abebé de Oxum e o peixe para representar Iemanjá. Foi nesse processo de juntar as ferragens de Candomblé com os balangandãs que cheguei no resultado final da minha criação.   EB - Quais referências você mobiliza ao realizar suas esculturas e demais produções? D - Trago referências da minha ancestralidade. Quando mais novo, e ainda sem saber que meu orixá era Ogum, me levaram para jogar búzios. Essa minha ligação faz sentido, pois cresci com pessoas que trabalhavam com metal, um material fundamental para o estreitamento das relações com esta entidade. Eu pratico capoeira e também toco afoxé, então tudo que faço tem pertencimento e força da ancestralidade. Além disso, minha companheira Silvana, que também é artista plástica, me dá muitas dicas e também participa do meu processo. Exposição Ferro Ifé: O Atlântico Negro de Diogum, individual do artista com curadoria de Bruno Albertim na Galeria Amparo 60, em cartaz de 04 de junho a 05 de setembro. Fotografias: Danilo Galvão EB - Como é ser um artista negro, que é autor de uma obra tão política e ancestral, e adentrar espaços ainda muito envoltos pelos códigos da branquitude, como são as galerias de arte?  D - O meu processo dentro das galerias está sendo muito importante para mim, mas acredito que está sendo ainda mais importante para as pessoas que as compõem, e aos tantos pretos que, ao me verem ali, também sabem que é possível ocupar esses espaços. As artes visuais sempre foram um lugar de branquitude e de uma elite branca, por conta disso nós vemos ainda tantos artistas pretos com um talento incrível, mas que ainda não estão dentro desses lugares. Enxergo nesse momento que estamos vivendo uma força ainda maior ao trabalho de artistas negros, que se destacam por sua originalidade, como Jeff Alan e Derlon Almeida, por exemplo.  EB - Quais discussões você busca reverberar com as suas obras? D - Gosto de trazer o conceito da ancestralidade, tanto em sua beleza, como na proteção, nas minhas obras. São esculturas que trazem esse axé e harmonia para dentro de casa. Trabalho com a força dos símbolos, que remetem ao passado e ao presente, como aquilo representado pela Sankofa. Os símbolos têm poder, então gosto de trazer essa luz e encantamento para o ferro, que por si só já é uma coisa bruta, forte. Quando você vê a obra com calma, já lhe causa uma certa segurança e fé, que é o que busco transpor para a minha criação.  Assine e receba! O múltiplo de arte “Ofá de Oxossi”, de Diogum, foi feito em serigrafia sobre papel canson 200g. As artes são assinadas e numeradas pelo artista e contam com certificado de autenticidade. Com novos planos e modalidades, o Clube de Assinantes da Propágulo é o ponto de encontro para quem busca colecionar e se aprofundar sobre arte. Fazendo parte deste programa, você recebe nossas revistas, livros e múltiplos de arte por um preço especial, além de garantir uma série de benefícios, como gratuidade em cursos, acessos exclusivos ao editorial do site, notícias antecipadas dos nossos lançamentos, e muito mais!

  • A FAMÍLIA CARNEIRO DA CUNHA

    Nesta entrevista que se tornou base para o texto Wilson, o fotógrafo ímpar , sobre o fotojornalista recifense Wilson Carneiro da Cunha na revista Propágulo 09, Guilherme Moraes conversa com Bia Lima, neta de Wilson e pesquisadora de sua produção fotográfica. No material é possível perceber a importância de outros personagens que contribuíram para o legado do fotógrafo, como Conceição Carneiro da Cunha, sua esposa e idealizadora do célebre Kiosque do Wilson, Olegária Carneiro da Cunha, filha mais velha do casal e guardiã do acervo imagético da família, e Wilson Carneiro da Cunha Filho, por muitos anos o assistente oficial de seu pai. Guilherme Moraes - Wilson Carneiro da Cunha possui uma produção vasta em fotografia. Como foi criar o recorte para a sua pesquisa, que atravessa os instantâneos de rua e os registros caseiros? Bia Lima -  No e-book¹, busquei fazer uma cartografia de como o meu avô perpassa a história do centro. Wilson Carneiro da Cunha é um personagem do centro, viu e registrou muitos acontecimentos, viveu aquilo ali intensamente. O centro do Recife era a vida dele. Acho que ele passava mais tempo na rua do que em casa. Ele se encontrava em um contexto de privilégio, e por isso tinha acesso a eventos sociais, a festas em clubes, à polícia! Falo de uma época em que trabalhar como fotógrafo era algo informalíssimo. Ele se intitulava fotojornalista. Mas, pesquisando sobre seu acervo, notei que existe uma linguagem própria, com características fortes dele, uma série de escolhas estéticas feitas para retratar o Recife. Parte disso pode ser questionado, né? Ele também tirava fotos das pessoas na rua, de outros personagens do centro. Era comum que trouxesse uma glamourização para o que retratava. Wilson era apaixonado pelo imaginário de Hollywood. Olha essa foto aqui! No desfile de 7 de Setembro, ele tirando foto da pomba que atrapalhou o desfile. O guarda de quatro! Esse é outro aspecto da sua produção: os flagrantes. Ele gostava da ideia de tirar fotos sem que a pessoa percebesse. Foto de menino fazendo cocô no rio, de meninos pulando da ponte, de bêbado fazendo xixi no poste… Ele abraçou mesmo essa estética.  GM - Então ele realmente não tirava a Câmera do pescoço. BL -  Minha mãe, Ramona, dizia que ele ficava colado com a câmera, como se fosse um membro dele. Ele vivia com a Rolleiflex para todo canto. Outro aspecto que acho icônico e que faz parte do imaginário do centro do Recife daquela época é a ideia do Kiosque! Aquele lugar que funcionava tanto como uma galeria quanto um lugar onde ele vendia seus serviços enquanto fotógrafo. Embora eu tenha procurado, nunca fiquei sabendo de nenhum outro quiosque específico de fotografia aqui em Recife ou em um outra cidade do Brasil. Por conta do Kiosque é que ele começou a ficar conhecido. Ficava na Rua Nova, no oitão da Igreja de Santo Antônio, quando ainda passava carro por lá, então era um agito absurdo! GM - Percebo que Wilson era conhecido por ter uma certa excentricidade. São diversos os fatores: o Kiosque é um desses elementos, mas ele colecionava restos de demolição, tinha a mão mais escura que o corpo porque revelava as fotografias sem proteção…  BL -  Quando comecei a entrevistar meus tios e minha mãe, notei que eles nunca tiveram essa percepção distanciada de quem fora Wilson Carneiro da Cunha, porque era parte da rotina deles, mas ele realmente era alguém singular. Tanto tinha um lado de ser uma pessoa engraçada, extrovertida e tiradora de onda quanto de um lado mais rigoroso dentro de casa, como se tivesse 2 personalidades. Acho que ele tinha uma persona da rua, criada para comunicar essa pompa. Para a minha pesquisa, me apeguei mais a isso. Quis focar realmente na estética dele: o Kiosque, a marca registrada de Wilson… O que acho incrível é a jogada de marketing que ele tinha na época, em plenos anos 50. Wilson carimbava todas as suas fotografias com a marca e o endereço do Kiosque. Ele queria ser notado, queria ter tudo do bom e do melhor, ter a câmera mais nova… Dizia que fora a primeira pessoa da cidade a ter revelado em colorido. Você nunca vai ver um look  repetido nas fotos em que ele aparece. A roupa tinha que ser chiquérrima. O carro precisava ter a placa personalizada com o número da sorte dele, 7004, e com “Wilson Foto” escrito. Ele usava camisa florida numa época em que nenhum homem por aqui usava. Na frente de sua casa, por exemplo, constava a placa “Wilson da Cunha, repórter fotográfico”. Pra todo mundo saber que ele morava ali! Ele dizia que tinha ido para os Estados Unidos, saia dando entrevista no jornal, mas era tudo invenção da cabeça dele, que criava para alimentar essa persona. Ele tinha esse fascínio pelas revistas, pelo cinema… tudo girava em torno disso. Na casa dos meus avós tinha aquelas fotos antigas de atores de Hollywood. Ele era o marketing em pessoa, entendeu? Na época ele bombou, soube vender o seu produto e realmente criou os 5 filhos com o dinheiro das fotos. Eles também tinham um apreço por objetos, livros e revistas. Minha avó, principalmente, era uma intelectual, ela lia pra caramba. Eles eram bem acumuladores! Quem guarda muita coisa é minha tia Olegária, que tem 80 anos. Além de documentos, são pilhas e pilhas de fotos reveladas e de negativos guardados. O sonho dela sempre foi abrir um museu da família Carneiro da Cunha. É que paira na família essa coisa de ter um parentesco com o abolicionista José Mariano²... Mas o acervo está disponível para mim. Penso em doar para a Fundação Joaquim Nabuco, mas ainda não fiz isso porque minha tia é apegada ao acervo. É o maior tesouro da vida dela. Parte da produção de Wilson já está na Fundaj. Ele vendeu um segmento do seu acervo para a instituição quando fechou o Kiosque na década de 1980.  GM - Qual era a participação de sua avó, Maria Conceição Carneiro da Cunha, nessa história? Gostaria de saber como ela se sentia nesse contexto. Vocês se conheceram? BL -  Conheci a minha avó já coroa. Quando eles casaram, ela tinha uns 16 anos e, ele, uns 24. Ela não era aquela esposa tradicional, que faz almoço, que arruma a casa… Não. Ela ficava dentro de casa lendo livros e fumando — ela fumava bastante quando lia. Mas eles sempre tiveram alguém para ajudar em casa. Realmente eles conseguiram viver dentro desse padrão de classe média. Moraram por muito tempo no centro do Recife, na rua da Alegria, em uma casa dessas bem comuns do centro.  Quando saíram de lá, buscaram morar na Zona Norte. Saíram do centro, que talvez já tivesse começado a mudar. Só que Wilson continuou trabalhando lá. Ela trabalhava com ele, era a cabeça por trás de muitas coisas, como a criação do Kiosque. Ele tinha essa pose de intelectual, mas era ela! Ela lia e pesquisava pra caramba e falava tudo para ele. Wilson então saía dizendo as coisas que aprendia com ela por aí. Ela passava o dia lendo, esperando meu avô, que trabalhava muito na rua, de noite. Porque ele cobria muita festa, casamento… Ele não parava de trabalhar. Até os anos 70 eles revelavam todas as fotografias em casa. Depois, quando foram melhorando as condições financeiras da casa, começaram a mandá-las para laboratórios. Além do meu avô e da minha avó, tem outra peça fundamental nessa história: o meu tio, que se chamava Wilson também. GM - Sim, tio Gringo. BL -  Tio Gringo passou a vida toda trabalhando com meu avô, que fez um negócio a partir da família. Minha tia Olegária não tanto, acho que na época não seria coisa de mulher, mas tio Gringo era o assistente oficial. Os dois tinham uma relação conturbada. Meu tio era gay. Todo mundo já sabia, era uma coisa escancarada. Ele não foi o primogênito normativo que Wilson queria. Depois de um tempo, nos anos 70, ele partiu para Salvador e se soltou na vida.  Acontece que o meu tio Gringo também tirava fotos e quando ele se mudou, continuou a fazer isso. Ele fazia roupas de Carnaval, de pedraria, bordadas… Viveu uns bons anos com HIV, mas morreu de um câncer. Ele veio para Recife quando já estava bem malzinho. Ficou no IMIP. Dizem que todo mundo do hospital era apaixonado por ele, porque era uma figura. Tenho muita vontade de puxar a pesquisa para ele, porque devem ter pérolas! Ele tirava fotos de desfiles, tem toda uma série de registros de trabalho, mas também tem as farrinhas dele. Tem umas fotos dos boys, umas dele mesmo lá… Esse acervo está comigo. GM - Penso que uma grande quantidade dos autorretratos de Wilson foram clicados por ele. BL - Com certeza! Os circos também eram uma constante na produção de Wilson. Eu não sei se você viu essa foto. Sério, eu acho uma das mais icônicas. É bizarra, mas eu amo essa foto. É meio creepy  um palhaço com meu tio Gringo no colo. Já rodei para achar o nome desse palhaço, mas não achei registro nenhum. Meu avô era viciado no circo. Se tivesse circo na cidade, ia todo domingo. Ele adorava todo tipo de espetáculo. Quando a rainha Elizabeth veio, ele tirou foto. Quando Juscelino Kubitschek veio, ele tirou foto.  GM - Você tem alguma noção do posicionamento político de seu avô? Uma boa parte de sua trajetória e da existência do Kiosque atravessa a ditadura militar no Brasil. BL - Ele tinha coisa de ser faladeiro. Mandavam ele calar a boca porque ficava falando mal dos militares lá no Kiosque. Mas, até pelo privilégio de ser um homem branco, cis e de classe média, ele poderia muito bem ter tirado fotografias de denúncia, mas não achei nenhuma do tipo. Como trabalhava para a polícia, talvez tivesse que encobrir algum posicionamento. Sei que não era facista, não achava a ditadura algo bom, mas o real posicionamento dele eu não sei. Ele trabalhou para o prefeito Augusto Lucena³, para todo canto que o prefeito ia ele tinha que ir atrás. Só que era o trabalho dele, tinha que fotografar. Foi por conta disso que ele tirou a foto da demolição da Igreja dos Martírios⁴. Quando eu descobri isso, deu uma virada de chave, porque Wilson foi o único fotógrafo a cobrir essa demolição. Essas fotos estão na Fundaj, são uma sequência incrível! Tem um monte de foto de Augusto Lucena, de baixo para cima, para passar uma pose de força, tem foto dos trabalhadores, tem fotos de ângulos Interessantes de mostrar. De alguma forma, ele estava dentro da máquina. Sei que ele detestava um irmão que era militar, mas, ao mesmo tempo, conhecia um monte de gente, todo mundo passava pelo Kiosque. Então acho que ele fazia essa boa praça.  GM - Hoje vivemos em torrentes de imagens, mas imagino como deveria ser impressionante a experiência de dar de cara com o Kiosque, com um acervo enorme de imagens disponíveis no meio da rua naquela época. BL - Uma coisa interessante é que ele fazia questão de mostrar seu trabalho considerado mais autoral. Tinha a parte que era para o povo comprar, os cartões postais de vistas da cidade do Recife. Mas tinha a parte do trabalho com a qual ele se identificava mais, muito atrelada ao que seria o perfil de um fotógrafo etnógrafo. Eram categorizadas por ele como “tipos populares”. Ele expunha no Kiosque como se dissesse “Eu faço isso aqui também”. E conseguia vender!  GM - Wilson foi fotógrafo em um momento anterior ao surgimento de especializações e perfis desse tipo de profissional. Era etnógrafo, apreciava o flagrante, cobria eventos, notícias, casos policiais, tirava retratos, entre tantas outras coisas. Mas, em casa, surgia um tipo específico de fotografia: as encenadas, dirigidas por ele, em que a família participava. Como era para sua avó, tios e mãe fazer parte desse processo?  BL - Eles odiavam! Minha avó detestava ser fotografada. E a toda hora ele inventava um novo ensaio! Vamos supor que ele comprava 10 rolos de filme para fazer um trabalho e gastava 7 deles. O que sobrava, ele usava para fotografar a família. É foto que não acaba mais! Ele criava um cenário com as frutas, com as taças, com todos na mesma pose em fotografias diferentes diante da geladeira nova — porque tinha que mostrar a geladeira mais nova do mercado e dizer “Eu fui a primeira pessoa a comprar a geladeira” através das fotos. Ele adorava aparecer e transparecer. Tinha uma joalheria lá perto do Kiosque. Toda vez que chegava alguma coisa nova, já dizia “Está separado para Conceição!” e chegava com um colar ou um brinco novo para minha avó. A imagem era muito importante para ele, e por isso ela também vivia nos trinques. Ela costurava as roupinhas iguaizinhas das filhas. Era como se a persona que ele criou tomasse conta da família toda. Mas eles se irritavam, minha mãe disse que tinha hora que ela não queria, mas tinha que participar. Era uma coisa obsessiva! Olha essa foto aqui: isso foi no hospital quando minha avó foi ter filho, ele tirando foto dentro da sala de parto. As enfermeira consternadas, minha avó amarrada na cama… Que coisa bizarra! Tem umas coisas doidas, “Não olha para a câmera, olha pro Horizonte!” e por aí vai, ele tinha essa pira com Hollywood, então acho que ele pegava muita referência de fotos de revistas americanas e europeias. GM - Um série que acho muito peculiar é a das fotografias da Cheia de 75⁵, em que ele fotografou a casa em que morava com sua família alagada, sem abrir mão de uma encenação diante da câmera.   BL - Eu acho essa série demais! Está acontecendo uma enchente e a pessoa vai tirar fotos! E ele ainda dirigia, dizia em que lugar cada um tinha que estar. Fui assistente por um dia do meu tio Ramon, que também virou fotógrafo, e percebi que ele também tinha esse jogo da direção da foto. Eu saquei que era por conta do pai que ele fazia isso. É curioso, apesar de Wilson gostar do flagrante, ele tinha essa jogada de querer montar uma cena, dizer uma história com a foto. GM - Acho que foi em 2019 quando saímos para tomar um café e você me falou que estava pensando em escrever o projeto que virou esta pesquisa. Penso nesse recorte de tempo dessa conversa até esta em que nos encontramos. Deve ter sido muito valioso encontrar seu avô ao longo desse processo. Obviamente é um processo de descobertas de sabores diversos.  BL - Apaixona, né? É um misto. Quando fui à Fundaj e vi as fotos que eles têm em acervo, eu comecei a chorar. Foi muito forte, em alguns momentos eu pensei “Meu Deus, eu poderia ter tirado essa mesma foto!”. Eu teria feito exatamente igual. E por muito tempo eu nunca tinha visto uma referência dele quando comecei a fotografar. Conhecia as fotos das festas de aniversário, da minha mãe pequenininha, mas não as da cidade, do centro, do Kiosque, das pessoas na rua. Quando eu fui para a Fundaj vi a magnitude do acervo dele. Foi ali que notei que precisava pesquisar o que não estava lá, os flagrantes e recortes domésticos que estavam em caixas na casa da minha tia e fazer alguma coisa com aquilo.   ¹ Lima, Bruna; Ferrer Bruna Rafaella, Kiosque do Wilson [livro eletrônico]: Wilson Carneiro da Cunha: do instantâneo de rua aos registros caseiros, Recife, PE : Ed. das Autoras, 2023. Disponívem em < https://drive.google.com/file/d/1xZi4EYfm1Bn14-BEjibME7VNqiJbWSw0/view?pli=1 > ² José Mariano Carneiro da Cunha (PE -1850–1912) foi um político, abolicionista, jornalista, bacharel em direito, deputado federal e vereador da cidade do Recife. Foi deputado federal de Pernambuco (1878, 1882, 1885, 1890, 1894, 1897, 1912). Fundou o jornal A Província, com filosofia abolicionista. Ingressou na carreira política no Partido Liberal, ao lado de Afonso Olindense, João Barbalho Uchoa Cavalcanti, João Francisco Teixeira, João Ramos, José Maria de Albuquerque Melo, Luís Ferreira Maciel Pinheiro, com os quais traçou as bases do Movimento Abolicionista de Pernambuco. A partir de uma reunião marcada por João Ramos, junto a outros abolicionistas pernambucanos, fundou o Club Relâmpago, depois transformado em Club do Cupim, associação abolicionista que intensificou a campanha contra a escravidão em Pernambuco por meio de instrumentos fora da legalidade, como a organização de fugas e o transporte de cativos para fora da província. ³ Augusto Lucena (PB - 1916-1995) foi deputado estadual de Pernambuco em três legislaturas (1954, 1958, 1962); Vice-prefeito do Recife em 1963, assumindo a prefeitura em 1964, com a deposição do governador Miguel Arraes e do prefeito Pelópidas da Silveira pelo Golpe de Estado no Brasil em 1964; Vereador do Recife em duas legislaturas (1968, 1975); Deputado federal em duas legislaturas (1970, 1978); Prefeito do Recife - nomeado por indicação do governador de Pernambuco Eraldo Gueiros Leite (1971-1975). Polêmico e arrojado em alguns atos, teve contra si a mídia e boa parte da opinião pública, ao derrubar o que restava da Igreja dos Martírios, monumento tombado pelo Patrimônio Histórico, para abrir a continuação da Avenida Dantas Barreto, onde hoje existe o Camelódromo, construído em administração posterior à sua. ⁴ A Igreja do Bom Jesus dos Martírios foi uma igreja localizada no Recife. Tinha um valor artístico grande, com sua fachada em estilo rococó. Foi alvo de uma disputa entre a municipalidade (na pessoa do prefeito Augusto Lucena) e a intelectualidade recifense. O prefeito Augusto Lucena viu-se diante da Igreja dos Martírios, que lhe impedia o andamento das obras de urbanização do Centro do Recife. Até então a igrejinha não era tombada. Embora o IPHAN tenha iniciado o processo de seu tombamento da igreja, na tentativa de impedir sua demolição, Augusto Lucena solicitou ao Governo Federal seu destombamento. Enquanto alguns técnicos enviados pelo governo deslocavam-se ao Recife para avaliar a solicitação, o prefeito, em antecipação, conseguiu derrubar parte de sua fachada. O prefeito então conseguiu o destombamento da igreja, que foi demolida, dando lugar à Avenida Dantas Barreto. ⁵ A enchente de 17 de julho de 1975 começou em uma tarde de quinta-feira e terminou após dois dias. 80% do Recife foi coberto por água. Foram registradas cento e sete mortes.

  • ARTISTA-TURISTA - REPRESENTAÇÃO, FRICÇÕES E VIOLÊNCIAS

    Em conversa com a equipe editorial da Propágulo no lançamento do livro Cento e poucas notas introdutórias à Artista-turista, Luana Andrade aborda questões como o trânsito entre paisagens rurais e urbanas, sua situação enquanto imigrante em Portugal e como a ironia pode ser uma ferramenta para pensar criticamente sobre esses assuntos. O evento aconteceu no dia 5 de março de 2024 na Garrido Galeria. HEITOR MOREIRA  - Luana, você é de Surubim e sua pesquisa gira em torno de Portugal. Como você vivencia esse trânsito? Como é realizar sua pesquisa em um país europeu e ter esse corpo que atravessa a Região Metropolitana do Recife e o Agreste pernambucano? LUANA ANDRADE  - Muito obrigada por este convite, por esta noite, pelas pessoas que estão aqui. Nasci no Recife, mas me radiquei em Surubim, cidade do Agreste de Pernambuco. Cursei licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e lá concluí meu mestrado, também em Artes Visuais. Em seguida, iniciei o doutorado em educação artística em Portugal. Minha pesquisa está muito relacionada ao deslocamento, à sensação de pertencimento, bem como às relações entre arte e território. E, para mim, especificamente, os territórios do interior, pois é dessa territorialidade que venho. Em Portugal, mantenho uma relação com uma cidade específica do interior, que é Belmonte (em Pernambuco, é com Surubim). São dois lugares distantes entre si, mas que compartilham esse afastamento geográfico de um grande centro urbano. São histórias e lutas que, em algum momento, se cruzam. HM  - Como surgiu, então, a figura da Artista-Turista  na sua pesquisa? LA  - Ela é uma persona que criei e que tem me ajudado a enfrentar questionamentos na minha pesquisa. Quando decidi iniciar essa investigação, tinha a vontade de explorar alguma experiência estética específica desses lugares, dos interiores. Isso estava muito ligado, desde a minha trajetória anterior no mestrado, aos estudos da Internacional Situacionista, dos quais extraí muitas referências da tese de Bruna [Rafaella Ferrer]. Então, em Surubim, onde iniciei essa pesquisa, pensei sobre esse situacionismo, que é marcadamente eurocêntrico (embora exista também no registro de outras geografias), e como ele se relacionava com o lugar onde eu estava, no Agreste Setentrional pernambucano. Parecia que, no fundo, havia a ideia de que o acaso da cidade tinha uma importância, uma potência de acontecimento maior no meio do caos urbano em detrimento dos interiores — justamente por ser um caos, facilitando o surgimento de eventos inesperados. Comecei então a vislumbrar um movimento que fosse uma paródia à Internacional Situacionista, chamado Rural Situacionista . Recorro ao deboche como estratégia para enfrentar e lidar com situações. Ele também é um tipo de produção de conhecimento, digo isso a partir, inclusive, da entrevista de Caetano Costa realizada por biarritzzz para a Revista Propágulo 06 . A Rural Situacionista era, para mim, uma maneira de dar visibilidade à experiência estética de tudo isso que colocamos em um balaio e chamamos de “interior”, abordando os problemas de categorização e representação. LA  - Entendi que essa questão não era um interesse apenas meu, mas também institucional e de muitos artistas ao meu redor que desejavam promover e participar de atividades no interior, como residências e projetos artísticos. Pesquisando sobre o formato das residências, encontrei um livro [ Rural Artists' Colonies in Europe, 1870-1910 , de Nina Lübbren] que conecta a origem delas às colônias rurais de artistas na Europa, que buscavam se afastar da urbanidade, indo para o campo e, na verdade, idealizando uma imagem desse lugar. No entanto, a própria presença desses artistas nesses lugares acabava por urbanizá-los, alterando aquela paisagem que eles próprios queriam representar, uma espécie de romantismo agrário, quase como uma paisagem bíblica, aquele paraíso que era o campo — que é, na verdade, um território de muitas lutas. Então existe um paradoxo nessas afirmações, que veem esse espaço como um lugar de ócio. Neste livro há relatos de que os artistas eram chamados de “turistas” pelos locais, de forma pejorativa, ou seja, como pessoas que estavam ali na superfície, e não necessariamente para se aprofundar naquela circunstância, o que era a intenção deles. Eu combinei essas duas identidades e saí por aí, usando o mesmo aparato de uma turista, mas tentando ver nesses lugares o que é comum, o que não seria o olhar de uma turista, mas de uma artista, tensionando essas duas identidades. Complementando a primeira pergunta, em Portugal não sou turista, sou imigrante. Então é uma maneira de trazer a ficção para esse lugar do posicionamento social também. ROD SOUZA LEÃO  - No livro, você fala sobre essa representação turística dos lugares, chegando a se perguntar sobre o porquê dessa representação, da criação de experiências postiças. Qual a relação entre a sua pesquisa, a ideia de representação e as narrativas que se criam a partir do outro? LA  - Vivo na cidade do Porto, um local que vem sendo muito gentrificado, especialmente pelo turismo. Existem grandes problemas de habitação e um dos temas das eleições deste ano, inclusive, é a especulação de que há mais Airbnbs e hotéis do que casas para as pessoas morarem. Achava interessante começarmos a pensar no turismo como algo que deve ser historicizado e problematizado, relacionando-o quiçá às grandes navegações, de onde vem o problema colonial que enfrentamos. Isso causa uma provocação, porque o turismo também é um motor econômico dos lugares. É como se você estivesse mexendo numa coisa que não pode ser alvo de muita crítica. LA  - A primeira frase do livro é “Viajar para conhecer é uma falácia” e parte da reflexão de que, quando viajamos, temos a sensação de estarmos conhecendo um lugar. No entanto, passamos por tantos lugares que nunca vamos saber verdadeiramente que lugares são esses. O que é que a gente tem acesso deles? Que representação é essa que é construída e para quê? Minha primeira visita como artista-turista foi em 2022 a Monsanto, uma vila eleita, durante o Estado Novo [regime ditatorial], por um concurso promovido à época pela Secretaria Portuguesa Nacional de Propaganda, como a aldeia mais portuguesa do país. Foi muito interessante para minha pesquisa saber disso, porque Portugal teve a sua imagem de estado-nação centrada na aldeia, na vida camponesa idealizada. Ainda hoje é possível comprar nessa vila o fac-símile do Guia de Monsanto, que foi produzido em 1938. Nesta minha visita, comecei a me perguntar: como representar um lugar? Por que essa representação da “aldeia mais portuguesa de Portugal” ainda vigora nos dias de hoje? É disso que Monsanto sobrevive economicamente, desse tipo de turismo. Vai se criando umas verdades a partir dos regimes de representação, e acho que é saudável mexer nisso. GUILHERME MORAES  - Existe um tipo de produção de escrita acadêmica que é específica desse campo, como a escrita de artigos científicos, dissertações e teses. Como foi fazer com que sua escrita migrasse para essas notas? Uma vez que o público-alvo da sua escrita deixa de ser exclusivamente a comunidade acadêmica e passa a ser o público em geral interessado em arte a partir desse livro, como é pensar essa outra finalidade da sua escrita? LA  - São públicos ainda muito distintos. Infelizmente, a academia é um lugar que produz um saber muito centralizado, de difícil acesso. Não que todas essas teses e dissertações maravilhosas não estejam lá nos repositórios, mas o debate acaba se fechando, cercado por um institucionalismo. Fazer o livro pra mim foi uma experiência interessante, porque esse texto surgiu da primeira vez que fui falar sobre a artista-turista numa aula. Sabe quando a gente faz uma lista daquilo que não pode esquecer de dizer? Eram 37 notas. E eu levei isso para a disciplina de escrita científica. Quando li as notas para o grupo, achamos que aquilo não era um conjunto de simples anotações que pretendiam se tornar outro tipo de texto depois. Nessa escrita fui dando vez a tudo que estava orbitando a artista-turista. São muitos assuntos, mas todos eles dizem respeito à relação da arte com os territórios e o deslocamento. É importante tentar criar esse espaço também dentro da academia para tornar o debate mais aberto. GM  - Nós passamos pela mesma licenciatura e pela mesma linha de pesquisa de mestrado. Sei que nossa formação e nossa maneira de produzir conhecimento é muito afeita à dúvida e à incerteza. Parece-me que esta escrita performa de maneira diferente desse dado. No livro, existem muito menos interrogações do que pontos finais. São afirmações contundentes, dentre elas: “Viajantes são profundos desconhecedores”, “Nem o novo nem o outro escapam à exotização” e “A residência artística tem sido usada enquanto formato apaziguador de tensões que se apresentam em relação entre artista e território”. Como se dá essa mudança de tom? LA  - Meus anos de formação na universidade foram imersos por uma lógica freiriana. Gosto desse exercício, que é o de sempre produzir perguntas, estas que geram sempre outras e mais perguntas. Não deixei pra lá esse exercício, mas o livro foi um momento de performar muitas afirmações, uma série de notas, de aforismos. A afirmação tem essa dureza. Além disso, quando a gente faz uma lista pra se lembrar, também constam ali coisas que foram esquecidas no caminho. Logo, existem perguntas nas entrelinhas. Há questionamentos entre a nota número 1 e a número 2 e assim em diante. GM  - Vamos abrir a roda de conversa e queria saber se alguém tem alguma pergunta? Visitante não identificada  - Você falou sobre Surubim e sobre Porto, mas passou sobre a sua relação com Belmonte. Queria saber como se dá sua relação com essa cidade. LA -  Tenho um irmão que trabalha com tecnologia, ele é desenvolvedor e também mora em Portugal, mas foi parar em Belmonte devido a um incentivo nacional à interiorização. O país tem incentivado que as pessoas ocupem esses espaços distantes de grandes centros urbanos, porque há um problema gigante em relação ao despovoamento dessas áreas. Passei a visitá-lo e a conhecer a cidade de uma forma menos restrita, ao invés de estar ali necessariamente para pesquisar. Mesmo sendo uma cidade interessante para essa investigação, não fui focada nisso a princípio, reconheço que a academia tem essa tendência de consumo, essa coisa predatória. Com o tempo e com as relações que fui criando lá, passou a fazer sentido que aquele fosse o meu território de ação.  A título de curiosidade, uma curiosidade fulcral: Belmonte é o lugar onde Pedro Álvares Cabral nasceu. ANA GABRIELA AIRES  - Estava bem curiosa desde o título da publicação. Comentei agora há pouco com Rod e Guilherme que também tenho uma pesquisa nesse sentido de imigração. Eu sou mais da literatura, da escrita, então fiquei agora ouvindo vocês, me perguntando justamente sobre essa fronteira da escrita acadêmica com a escrita mais artística, digamos assim. No livro, você lança notas sobre essa performance turística da superficialidade. Fiquei curiosa para saber como é cruzar a fronteira da escrita acadêmica e escrever enquanto artista-turista. LA  - Tenho uma preocupação para que a maneira como eu me expresso na academia não seja contrária àquilo que eu estou lutando na academia também. Até então, não tenho me deparado com nenhuma barreira nesse sentido. Pelo contrário, tenho encontrado pessoas que me estimulam a isso. A escrita é um processo investigativo também, ela própria já performa. Um doutorado são quatro anos de pesquisa e a escrita vai ser só o registro de algo que aconteceu? Aconteceu tanta coisa e agora como é que eu vou relatar, falar sobre isso? Eu acho que isso é uma maneira de colocar a escrita num lugar muito pequeno. A escrita, na verdade, é um lugar de performance, de luta também, dessas coisas que a gente defende tanto. Eu tenho essa perspectiva até então. Eu até pensei, quando estava pronto esse texto, olhando para ele várias vezes e pensando na minha pesquisa e no que um dia vai ser a minha tese. Ainda estou no meio desse caminho. Se eu pegar esse texto e for desdobrar, há muitas coisas entre uma nota e outra. É preciso policiar menos a escrita, deixar que ela tenha esse lugar mais potente de ser também uma maneira de pensar. GM  - Queria agradecer sobretudo a Luana, que acompanhamos pela Propágulo desde "A Beleza da Lagoa É Sempre Alguém". A gente te admira muito e é uma alegria sem tamanho iniciar essa série de livrinhos contigo. Para nós, você é uma referência de inteligência e leveza. É importante pontuar que esse livro não foi feito com fomento público, mas acontece devido aos nossos assinantes e patrocinadores, especialmente a Galeria Marco Zero e a Galeria Garrido, que abriram espaço enquanto espaço de arte que acredita em nosso trabalho. É um livro pequeno, mas que resulta de um esforço hercúleo e ter a casa cheia para seu lançamento é algo que não tem preço para nós. Agradecemos a presença de todos. LUANA  - Muito obrigada pelo cuidado. Foi um trabalho muito cuidadoso mesmo. Estou muito feliz de estar aqui e de ver muita gente que eu não via há tanto tempo. Obrigada, obrigada de verdade. É um trabalho muito bonito que a Propágulo vem fazendo. Fotos do evento por Danilo Galvão O Livro "Cento e poucas notas introdutórias à Artista-Turista" está disponível em nossa loja online. Saiba mais clicando aqui .

  • IMAGINÁRIO REESTRUTURADO NA PINTURA DE BISORO

    O artista Bisoro (RECIFE, PE, 1999) foi convidado para desenvolver “Agora nada que já lhe tenha pertencido existe”, novo múltiplo de arte disponível para o Clube de Assinantes da Propágulo. Em conversa com a redatora Elizabeth Bandeira, o artista divide um pouco sobre seu processo de criação, os aspectos subjetivos nas suas obras e as principais referências que influenciam na sua produção. Elizabeth Bandeira - Bisoro, você poderia nos contar um pouco sobre você e o seu trabalho? Bisoro - Meu nome é Bisoro. Tenho 24 anos. Sou artista visual e meu trabalho propõe o mapeamento e documentação das práticas ligadas à autoproteção e expressão de afeto por um corpo localizado nas bordas da cidade, especificamente a partir do Céu Azul, bairro da periferia de Camaragibe (PE), de onde venho e exerço minhas pesquisas. Atualmente, desenvolvo meu trabalho através da costura, na qual eu projeto armaduras que protegem esse corpo vulnerabilizado, e através da pintura, a fim de criar símbolos de força e autoafirmação, assim como performance e vídeo. EB - Como suas experiências pessoais influenciam a temática e o conteúdo das suas obras? B - Meu trabalho está diretamente conectado às minhas experiências íntimas e àquelas compartilhadas com as pessoas ao meu redor. São situações usualmente ligadas a violências infligidas por agentes externos a esse corpo em vulnerabilidade, assim como a expressões de revolta que podem se originar dessas ações opressoras. No filme todos os abraços que não te dei, por exemplo, eu ficcionalizo, ao mesmo tempo que documento, a ação forçosa de abertura das portas traseiras dos ônibus realizada por moradores do Céu Azul, no intuito de usufruírem deste transporte de forma gratuita. Essa prática é criada a partir da compreensão compartilhada pelos residentes da injustiça e descaso à acessibilidade causada por agentes públicos a esses corpos à margem. Aspectos subjetivos, como o sentimento de saudade e afeto, principalmente ligados a mortes violentas, são um outro ponto de interesse do meu trabalho. Busco transmutar a realidade que me cerca propondo um lugar ficcionalizado de fuga e proteção. Desenvolvo minha prática a partir dessas observações. EB - Como você escolhe os elementos que compõem suas pinturas para transmitir as sensações que você explora? B - Me interesso artisticamente pela criação de um lugar seguro. A partir disso, elaboro visualmente alguns símbolos de força e poder, representados neste corpo monstrificado que projeta espinhos e asas, possibilitando-lhe uma fuga de lugares sombrios. O uso das cores também vem desse meu desejo de criar um espaço seguro e ameno a vivências vulneráveis, em contrapartida aos estímulos que elas já são expostas. EB - Você foca a maior parte da sua produção na pintura, mas queria saber se existem outras linguagens que você gosta de experimentar. B - Comecei a minha produção visual na infância, a partir do desenho e, influenciado por filmes, segui para os quadrinhos. Falo isso porque as mídias e as materialidades que escolho para desenvolver meu trabalho são modificadas através do tempo. Atualmente, a pintura e a costura ocupam um lugar mais central das minhas produções, tendo esta última me possibilitado a criação da FARPA, minha marca de vestuário, mas minha prática escorre para diversos lugares, do grafite à performance. EB - Quais são as tuas referências e influências atuais? E como elas estão presentes no múltiplo? B - As minhas referências partem de muitos lugares, seja da vida e obra do artista plástico Jayme Figura, até as animações japonesas dos anos 2000 e alguns subgêneros do Trap. Entendo essas referências, a exemplo do anime, não como um consumo pessoal exclusivo, mas como uma absorção compartilhada e massificada por uma população preta e periférica que se reconhece nas narrativas presentes dessas mídias. Me influencio também pelas músicas e estéticas imaginadas por pessoas pretas, respectivamente o Trap e Opium, um subgênero do streetwear com raízes nas subculturas Avant-garde Metal e Punk. Assine e receba! O múltiplo de arte “Agora nada que já lhe tenha pertencido existe", de Bisoro, foi impresso em serigrafia de cinco cores sobre papel Canson 200g livre de ácidos com 42 x 51 cm. As artes são assinadas e numeradas pelo artista e contam com certificado de autenticidade. Com diversos planos, o Clube de Assinantes da Propágulo é o ponto de encontro para quem busca colecionar e se aprofundar sobre arte. Fazendo parte deste programa, você recebe nossas revistas, livros e múltiplos de arte por um preço especial, além de garantir uma série de benefícios, como gratuidade em cursos, acessos exclusivos ao editorial do site, notícias antecipadas dos nossos lançamentos, e muito mais!

  • SINFONIA DO PRESENTE

    Rayana Rayo (Recife - PE, 1989) vem descobrindo novas vias de autoconhecimento: em suas pinturas, a abstração ganha contornos de autorretrato, desabrochando em paisagens enigmáticas, ambíguas, incertas por meio das quais a artista passa a aprender sobre si a partir da solitude. A tecelagem “Desencontros”, anterior à produção das telas também contidas nesta mostra, acontece enquanto representação esquemática — uma linha ondulada, contínua, e outra angulada, breve —, mas também confessional na síntese de elementos envolvidos, podendo ser percebida enquanto cronologia autobiográfica da artista. Por ter sido produzido em tapeçaria, o trabalho ganha um entendimento de que houve, no decurso de sua gênese, uma fatia significativa de tempo que foi vivenciada ao longo de sua concretização. A percepção do tempo empregado por Rayana Rayo na tecelagem, obra de maior rigor aqui apresentado, também se metamorfoseia em suas pinturas. Dilatando-se de telas confeccionadas sem meta precisa, frutos de um ritmo pautado no encontro diário consigo em ateliê, a artista elabora sobre os eventos significativos de sua vida ao passo que lida com o material de seu trabalho. Dos ladrilhos hidráulicos de sua casa, único elemento retratado em suas telas que parte de uma referência visual factual, abrem-se poros de onde emerge uma paisagem ora fluida, ora sólida. Fazendo-se dentro da cotidianidade da artista, não há um rigor cromático premeditado, não há rascunho nesse tipo de trabalho: as pinturas de Rayana Rayo são produtos de decisões tomadas no presente, e desta empiria brotam, jorram, irrompem e borbulham as partículas as quais compõem seus corpos. É pelo arranjo destas que é composto um lirismo que vem dos inúmeros contrapontos de suas imagens. Formados por órgãos dotados de coerências internas e interações misteriosas, as pinturas “Autorretrato I” e “Autorretrato II” trazem interações alquímicas entre sólidos animalescos, maquínicos, microscópicos ou interplanetários. Os órgãos em sinfonia presentes no trabalho de Rayana Rayo podem ser percebidos pelo que essencialmente não são, isoladamente, através da comparação destes com os outros elementos que os ladeiam. Se um se mostra ferino, é também pelo fato de que outro, em algum lugar na composição proposta, será evidenciado pela sugestão de sua maciez. Se um ganha destaque através da lisura, encontrará em sua antípoda uma profusão de irregularidades e assimetrias. Mas onde estão evidenciados os contornos de autorretrato na obra da artista? Como caracterizar sua dimensão de aprendizado? Esse mistério não está necessariamente codificado nas figuras produzidas por sua criadora, mas na lembrança quase onírica de quando estava propondo cada uma delas em suas paisagens camaleônicas.

  • “PIXAR É HUMANO": ESCRITAS INSURGENTES NA CIDADE

    Fui criado em um bairro de grande tradição na pixação. É relatado que desde o final da década de 80 e início da década de 90 existiam pixadores em Beberibe e nos arredores da Zona Norte do Recife (PE). Cresci onde o pixo era parte do cenário das avenidas, ruas, becos e vielas. A pixação surgiu, pelas bandas de cá, junto com o fenômeno das galeras periféricas — grupos de jovens que se uniam em torno de uma sigla, na maioria das vezes, representando uma abreviação dos seus bairros. Ocupavam os bailes funks da RMR. Os pixadores eram um tipo de propagadores dessas siglas pela cidade. No bairro de Beberibe, o comando mais expressivo e antigo é a ATM (Atacante Terroristas de Muros), em atuação até hoje. Não sou da primeira geração de pixadores, longe disso, comecei bem depois que os primeiros registros de pixação apareceram em Recife. Nesse ambiente suburbano, tive meu contato inicial admirando as escritas nos muros. Depois, colocando os primeiros nomes nas paredes. Com certeza essa foi a primeira experiência com o fazer artístico, de maneira mais consciente, mesmo ainda, nessa época, não me entendendo como artista. Com o passar do tempo, os limites territoriais do bairro foram ficando restritos, outros bairros foram fazendo parte das caminhadas. O pixo me fez conhecer a cidade e suas regiões. Ocupando cada vez mais territórios, da periferia até o centro da cidade, local hostil aos jovens periféricos. A vontade de deixar o pixo em mais lugares expandiu os horizontes fazendo com que a cidade negada cotidianamente fosse ocupada. E mais, transformou caminhos que eram apenas passagem em paisagem. “PAREDE BRANCA, POVO MUDO” A pixação exercita o olhar e faz enxergar a cidade de uma outra maneira. Onde para alguns é apenas cinza e concreto, para os pixadores viram locais com possibilidade de intervenção, mudando, assim, nossa identificação com esses territórios. Rompendo nossos limites cartográficos impostos socialmente. Ressignificando a urbe, suas esquinas, encruzilhadas e avenidas. Rompendo as amarras em uma atitude intrusiva, de penetrar os espaços proibidos pela sacra lei da propriedade privada. As paredes riscadas são apenas parte de algo bem maior que existe por trás, no silêncio da ilegalidade imposta pelo Estado. Engana-se quem acha que a pixação começa e termina no ato de “vandalizar” muros. Ela existe em um amplo movimento, artérias e circuitos, que promove espaços, encontros e relações de irmandade e, também, de competitividade. Esses espaços de atuação geram identidade e representatividade. E, nesse processo, cada pixador se olha enquanto parte de algo maior. Uma identificação pelo que faz. E, levando em conta toda a alienação gerida pelo capitalismo, identificar-se como parte de algo é uma das razões do pixo, que, mesmo com toda repressão do Estado, não foi banido ou apagado do cenário urbano. Lembro que sempre um amigo falava: — “quando estou pixando é o único momento em que me identifico com o que faço”. Essa frase, por si só, revela o caráter desalienador do pixo, tanto no que diz respeito ao processo artístico, quanto ao processo de ocupação do espaço público, como meio de se reconhecer e se manter vivo na paisagem desumanizadora das metrópoles. É lamentável que quando se levanta alguma discussão sobre pixação e arte, na maioria das vezes, os discursos se desdobram em um questionamento que, por trás da problematização, esconde aspectos conservadores sobre concepção artística e de aspectos sociais. E esse questionamento sempre gira em torno de ser ou não uma expressão artística. Essa problematização em torno de uma questão não deveria mais hegemonizar as discussões sobre a pixação no Brasil, já que essa expressão atua no ambiente urbano desde a década de 80, tempo histórico sufi ciente para se ter aprofundado estudos e análises sobre a temática. Também para escutar e acompanhar o desenvolvimento dessa expressão da arte urbana no cenário nacional. É possível, levando em conta as especificidades de cada local, traçar escolas, estilos e traços característicos de um estado ou tempo histórico. Cada artista, dentro do seu período de atuação, desenvolve sua técnica, criando suas letras, que mostram seu caráter criativo e suas influências e transformações ao longo do tempo. O que, por muitos, é apontado como sujeira e rabiscos desordenados é, na verdade, um grande lastro de saberes e estilos desenvolvidos a partir de influências estéticas, desenvolvimento técnico, estudo individual e coletivo para chegar a um formato artístico para ser riscado nos muros. Só que, diferente de outras expressões e linguagens artísticas, o pixo surge como uma ação de transgressão e ruptura ao processo histórico de silenciamento, de negação dos espaços públicos e dos espaços privados e de afirmação artística e territorial de populações submetidas à marginalidade política, social e econômica. “O VERDADEIRO BANDIDO NÃO FOI PRA CADEIA. TÁ COMPRANDO AMAZÔNIA E DIZIMANDO ALDEIA” Existe uma escassez de materiais e registros históricos produzidos pelos próprios pixadores. Essa escassez se aprofunda quando se procuram materiais das décadas passadas, onde o acesso a material audiovisual era algo difícil, dificuldades essas impostas pelos limites econômicos e pela falta de políticas públicas de democratização da produção visual e audiovisual. O material que se tem ou é fruto de recortes de matérias de jornais da grande imprensa, com um linha editorial quase única de apoio à criminalização e à perseguição ao pixo, ou são estudos e documentários realizados por pesquisadores, que muitas vezes reproduzem, em algum nível, o discurso do sistema opressor. Existiram várias iniciativas de organização de zines ou vídeos produzidos pelo próprio segmento artístico, e esses materiais são de grande riqueza documental, mas, pelo grau de estrutura, se encontram dispersos e pulverizados. Muito do que resistiu, enquanto memória, foi fruto da cultura oral, onde uma geração passa para outras suas experiências, técnicas e histórias. Todo esse material discursivo circulando nos encontros, nos rolês… Houve uma melhoria no processo de documentação depois da massificação da internet e do fenômeno das redes sociais. Sabemos que parte da luta pela sobrevivência de uma cultura é sua luta pelo direito à memória. Apagar os muros com tinta, perseguir criminalmente e ignorar a existência da pixação é tudo parte do mesmo pacote de dominação e preservação das narrativas elitistas e higienizadoras para silenciar processos de transgressão e de enfrentamento com a historiografia “oficial”. Diante disso, não é de se admirar que, durante toda existência da pixação, existiram ações judiciais para sua criminalização. Até 2008, o pixo era enquadrado no Artigo 63 do código penal como crime de depredação ao patrimônio. No mesmo ano, é aprovada no Congresso Nacional a Lei 9605 (lei dos crimes ambientais), que traz no Artigo 65 a tipificação do pixo como crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Além disso, ainda tem as leis e projetos de lei municipais e estaduais que fazem coro com a Lei 9605 e que, em alguns casos, chegam a ser mais duras. Todo esse aparato judicial esconde, por trás de um debate contra o pixo e a higienização das cidades, uma narrativa de perseguição às práticas culturais provenientes das periferias urbanas e da proteção à propriedade privada, buscando o esmagamento e o desaparecimento dos seus artistas, sendo a motivação delimitada por questão de classe e raça. São os pixadores, jovens das periferias urbanas, que sofrem perseguição judicial e, no silêncio da madrugada, violência policial, tortura psicológica e até mesmo, em alguns casos, assassinatos. Todos os pixadores carregam o peso de histórias e relatos dessas violências por parte da força policial e do poder judiciário. Sabemos que na cidade, no geral, dois projetos estão sempre em disputa. De um lado, privatização dos espaços públicos, gentrificação, elitização e criminalização da pobreza, da arte urbana e dos movimentos sociais. Processo este encabeçado pelo capital especulativo e grandes construtoras e apoiado por muitos governos e suas forças de repressão armada, que se beneficiam das gordas verbas e financiamentos de campanhas eleitorais. De outro lado, um projeto de cidade popular, com democratização do acesso e ocupação de seus espaços; garantia do direito pleno à moradia, trabalho e lazer; fomento e incentivo ao diálogo artístico urbano e preservação do patrimônio arquitetônico e histórico. Dentro desse espaço de fissuras sociais, a garantia do direito de expressão artística é uma luta importante para construção do projeto de uma cidade popular e inclusiva. “A PIXAÇÃO É A ARTE QUE DISCRIMINARAM” O processo de apagamento e invisibilização do pixo se dá, também, em âmbitos relacionados à arte. Um aspecto disso são as narrativas nos manuais e livros didáticos do ensino da arte nas escolas e universidades. Quando muito, esses materiais falam é de grafite e de outras expressões da arte urbana. E reforçam uma falsa dicotomia entre grafite/arte urbana vs pixação, se apropriando de um discurso que é muito propagado pelo estado e, infelizmente, em alguns espaços artísticos, coloca as outras artes urbanas como uma alternativa higienizada e positiva, apontando a pixação como algo sujo e criminoso. Quando, na verdade, a origem do grafite remete aos mesmos princípios do pixo, onde, na rua, os artistas intervêm no cenário urbano de forma não autorizada pelo estado e pelos proprietários dos imóveis, deixando suas escritas como forma de manifesto e afirmação artística. Outra postura bastante negativa é dos espaços institucionalizados de arte, incluindo as galerias, as mostras, as revistas especializadas, que, ao  não incorporar a pixação como uma expressão artística contemporânea, agem reproduzindo uma das lógicas do discurso e práticas conservadoras, que apaga qualquer possibilidade de discussão sobre a temática. Alguns espaços e galerias, principalmente as relacionadas a arte urbana, agem com uma outra postura. Como exemplo, temos a exposição em homenagem ao pixador DI (em memória), sendo esse um dos principais pixadores de São Paulo da década de 90 e um dos precursores da modalidade de pixos nos prédios. A exposição ocorreu em 2016, na A7MA Galeria, em São Paulo. Essas iniciativas são muito importantes, diante do peso e da presença que a pixação tem no cenário contemporâneo nacional e do necessário respeito que ela merece. Contudo, longe de achar que o pixo precisa da legitimação do circuito de arte institucional e mercadológico para existir, pelo contrário. Talvez sua caminhada na contramão de todas essas institucionalidades seja parte da gênese do seu espírito libertário e do seu poder transgressor, justamente por conta de sua existência estar intrinsecamente ligada ao caráter “ilegal” da intervenção artística. Porém, uma coisa não precisa negar a outra, elas podem coexistir de maneira positiva e, ao incorporar nas suas programações, esses espaços, veículos e instituições ajudariam a desconstruir a propaganda ideológica criminalizante que recai sobre a pixação. No pixo existe uma pluralidade de vozes e de visões sobre as escritas urbanas e elas todas precisam ser escutadas e visibilizadas. Esse texto é um relato pessoal de algumas experiências, vivências e opiniões que tenho sobre a pixação dentro do contexto social e artístico. Tenho noção da importância do pixo na minha formação artística e humana, quanto ela foi decisiva na compreensão da arte em que eu acredito e que me impulsionou a transitar por outras expressões, como a fotografia, a colagem, o lambe. Mas sempre entendendo a rua como um espaço de ocupação, resistência e intervenção. Pelo direito ao espaço público e à democratização da arte. “Pixar é humano”, já falava DI, e é parte da necessidade de se expressar em meio ao ruidoso caos urbano e sensibilizar nossas ações, desobediências e transgressões na urbe. CITAÇÕES: * A frase “Pixar é Humano” é de autoria do artista DI (SP), citado no texto; ** “O verdadeiro bandido não foi pra cadeia. Tá comprando amazônia, e dizimando aldeia” é um trecho da música Pixadores II, de autoria de Nocivo Shomon; *** “Parede branca, povo mudo” é uma frase de autoria desconhecida pixada diversas vezes nas paredes de diversos lugares do Brasil e do mundo; **** “Pixação é a arte que discriminaram” é trecho da música “Pixar é humano”, de Grilo 13.

  • A Beleza da Lagoa É Sempre Alguém - Visita Guiada 360°

    Confira no vídeo a seguir a visita guiada em 360° realizada pelo curador Guilherme Moraes na exposição de arte contemporânea realizada na Galeria Janete Costa (Recife, Pernambuco, Brasil). A exposição contou com obras dos artistas Anti Ribeiro, Bisoro, Clara Simas, Luana Andrade, Marcela Dias, Marina Soares, matheusa dos santos, Nara Gual, Rayellen Alves, Tácio Russo e Tatiana Móes e durou de 18 de junho a 28 de agosto de 2022.

  • Lanchão - matheusa dos santos

    A exposição A Beleza da Lagoa É Sempre Alguém foi realizada pela Propágulo entre 18 de junho a 28 de agosto de 2022, na Galeria Janete Costa, em Recife, Pernambuco. Contou com obras dos artistas Anti Ribeiro, Bisoro, Clara Simas, Luana Andrade, Marcela Dias, Marina Soares, matheusa dos santos, Nara Gual, Rayellen Alves, Tacio Russo, Tatiana Móes. No evento de abertura, a exposição contou com performance da artista matheusa dos santos, cujo registro pode ser conferido no vídeo a seguir.

  • Abertura da Exposição “A Beleza da Lagoa É Sempre Alguém”

    A exposição de arte realizada entre 18 de junho a 28 de agosto de 2022, pela Propágulo, contou com os artistas Anti Ribeiro, Bisoro, Clara Simas, Luana Andrade, Marcela Dias, Marina Soares, matheusa dos santos, Nara Gual, Rayellen Alves, Tacio Russo e Tatiana Móes. Foi realizada na Galeria Janete Costa em Recife, Pernambuco. No vídeo abaixo, você pode conferir os registros do evento de abertura da mostra.

  • PROPÁGULO INDICA - CURADORIA

    Nesta primeira publicação do quadro 'Propágulo Indica', uma iniciativa exclusiva para o Clube de Assinantes que será lançada mensalmente em nosso editorial, propomos algumas reflexões e indicações acerca dessa temática com grande potencial de se estender excessivamente — os processos curatoriais. Serão mapeados alguns trabalhos acadêmicos, publicações e discussões sobre curadoria, a partir das nossas próprias recomendações de livros, entrevistas, podcasts e outros formatos midiáticos para que você, participante do nosso Clube de Assinatura, agora possa se inteirar com essa troca de informações. Para se aprofundar ou reaver estudos de curadoria, vem conferir as recomendações da Propágulo para esse mês de setembro! REPORTAGEM → "Como utilizar com sabedoria as dinâmicas de impulsionamento e amplo alcance das grandes instituições artísticas, sem recair em uma linguagem dominante e institucionalizada que se quer confrontar? Como entender os vínculos corporativos das galerias e do mercado de arte com os principais programas museológicos?" Essas são algumas das inquietações abordadas pela reportagem CURADORIAS REIMAGINADAS, de Mateus Nunes. No texto, é discutida a obsolescência de um modelo hermético inserido às práticas curatoriais e museológicas, assim como a necessidade de revisões internas e mudanças pragmáticas no sistema. Vale a leitura! https://select.art.br/curadorias-reimaginadas/ ENTREVISTA → O aclamado curador e entrevistador Hans Ulrich Obrist está com a câmera voltada para ele nesta edição do In Your Face: Interview, uma coleção de entrevistas de confronto com assuntos dos mundos da arte. A conversa pode ser conferida na íntegra no vídeo abaixo: REVISTA → ON-CURATING é uma revista internacional independente, tanto virtual quanto impressa, com foco em questões sobre teoria e prática curatorial. As publicações no site marcam um momento de aproximação entre acadêmicos, artistas e curadores para uma discussão em sua essência sobre curadoria e os temas que podem florescer e se destrinchar a partir dessas indagações. As edições abrangem linhas editoriais sobre proposições decoloniais na curadoria , curadoria queer, curadoria dentro do pensamento feminista , entre outras que você pode acessar na íntegra pelo link abaixo. https://on-curating.org/issues.html LIVROS → Lançado pela Editora Circuito, em 2021, a partir do trabalho de compilação de Yuri Firmeza e Pablo Lobato, o livro "O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer curadoria?" reúne ponderações de figuras relevantes da curadoria de arte brasileiras. Entre os nomes escolhidos para também integrar a publicação está o de Moacir dos Anjos, curador da 29ª Bienal de São Paulo e conselheiro editorial das revistas Nº6 e 7 da Propágulo. → Para aprofundar um pouco mais sobre origens contextuais, problemáticas e vivências dentro da curadoria e mediação cultural, a Propágulo enquanto editora também lançou a sua própria publicação sobre a temática. Acesse aqui e saiba mais sobre o livro "Entre curadoria e mediação cultural". → Ainda sobre publicações, você também pode acompanhar a recém-lançada OUTROS FINS: ROTAS E TECNOLOGIAS DE FUGA A publicação de arte está disponível para leitura online e volta-se ao tema “Rotas e Tecnologias de Fuga” em sua segunda edição. Organizada por LindaCelva, Outros Fins reúne trabalhos de 18 artistas, entre Jota Mombaça, Maria Clara Araújo, Anti Ribeiro, Agrippina R. Manhattan, Manauara Clandestina e Rita Vênus. PODCASTS → Puxando o debate sobre curadoria dentro dos serviços de streaming, o podcast 1 curadorx, 1 hora realiza entrevistas com esses profissionais das artes visuais. Entre grandes nomes da área convidados para conversar nesta plataforma como Clarissa Diniz e Cristiana Tejo, a iniciativa proporciona uma troca interessante àqueles que desejam se aprofundar sobre processos curatoriais. Recomendamos o episódio do podcast com a já mencionada acima, Paulete LindaCelva, curadora independente e artista que também integrou a redação da revista Propágulo Nº7. → A Propágulo também conversa com Ariana Nuala, curadora, educadora e articuladora das artes visuais, no podcast AFTA. A curadora é quem dá início a segunda temporada do projeto em streaming e através de uma roda de conversa, dialogamos sobre as cadeias produtivas que atravessam as artes visuais.

  • MITSY QUEIROZ - PRELÚDIOS DA IMAGEM #01

    Artista visual, fotógrafo, pesquisador e arte/educador, Mitsy Queiroz (Recife - PE, 1988) conversa com Guilherme Moraes, curador da Propágulo, sobre sua poética e seus processos de criação a partir da linguagem fotográfica. Quais são as aproximações possíveis entre fotografia e corpo? O que seria desviar dentro do que está estabelecido dentro das normas hegemônicas desses dois universos? Como jogar com o controle e o inesperado dentro da experimentação fotográfica? E se a imagem produzida não corresponder às expectativas canônicas do que deve vir a ser uma boa fotografia? Mitsy Queiroz tensiona a falha enquanto joga com os recursos analógicos e digitais da fotografia que produz. Prelúdios da Imagem é uma série de vídeos realizada pela Propágulo com o objetivo de expandir debates e conversas com diferentes agentes da cadeia artística. A primeira temporada conta com 3 episódios, nos quais participam Mitsy Queiroz, Aoruaura e Clara Moreira.

bottom of page