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O TEMPO DO JARDIM É O TEMPO DO OUTRO

Vencedor da Ciranda Fotográfica no 9º Pequeno Encontro da Fotografia, o projeto (EM)Transição – Pesquisa cultural em fotografia e agroecologia" estabelece como mote os valores coletivos e a defesa da autossustentabilidade social .




'(EM)TRANSIÇÃO' - Agroecologistas Antônio e Célia junto ao biodigestor em Bonito (PE), antotipia de casca de cebolas roxa, maio de 2023


Descortinar o processo de construção de um projeto fotográfico é poder vislumbrar, em suas nuances políticas e estéticas, os encontros transformadores e pontos de inflexão que traçaram o seu desenvolvimento. Contrário ao usual caminho seguido por trabalhos vencedores em competições, nos quais a autoria é atribuída a uma mente criadora, ao ganhar a premiação da Ciranda Fotográfica no 9º Pequeno Encontro da Fotografia, o projeto (EM)Transição – Pesquisa cultural em fotografia e agroecologia reforçou a fotografia enquanto uma experimentação anti hierárquica e sensível. 


Intitulado Ação coletiva e agroecologia: os caminhos da mobilização social para a construção de uma política pública municipal em Bonito/PE, trabalho da tese de doutorado de Paulo José de Santana, não só analisou o processo de construção da política pública da cidade pernambucana, a partir das estratégias de transição agroecológica e da ação coletiva, como também acendeu a fagulha inicial do projeto fotográfico”, explica o pesquisador e participante do (EM)Transição.


Por meio de um diálogo robusto de reflexões, atravessadas ocasionalmente por funções fáticas da linguagem, como só uma sessão virtual no Meet pode proporcionar, a entrevista da Propágulo com alguns dos colaboradores do projeto vencedor da Ciranda Fotográfica¹ — a agricultora agroecológica Fábia Lima, a produtora Lara Bione, os fotógrafos Danilo Galvão e Roberta Guimarães, e o pesquisador agroecológico Paulo José de Santana —  expõe a potência existente na feitura de um projeto composto por muitas mãos. 


No Agreste pernambucano, uma sub-região de modificação entre a Zona da Mata e o Sertão do Nordeste, está situado o município de Bonito. Foi neste território que já compreende em seu firmamento as mutabilidades geográficas onde o projeto (EM)Transição encontrou solo fértil para o seu desenvolvimento.


 

¹ Realizada pela primeira vez nesta 9ª edição do Pequeno Encontro da Fotografia, a Ciranda Fotográfica contempla obras em formatos diversos, tais como ensaios e fotolivros. A ideia é que pessoas e coletivos apresentem suas obras, selecionadas por meio de convocatória, para a curadoria do festival em sessões de pitching que podem durar até 15 minutos.


(EM)TRANSIÇÃO - Antotipia de extrato de cascas de cebola dourada


O projeto começou a ser construído a partir do primeiro encontro do grupo, que aconteceu em 8 de abril de 2021. À época, os colaboradores Danilo Galvão, Lara Bione e Fábia Lima faziam parte da formação em processos de mobilização e acompanhamento na agricultura familiar e agroecológica, ministrada por Paulo Santana. Juntos, em uma roda de conversa, entenderam que o melhor caminho para a apresentação de um projeto que discutisse a experiência de transição agroecológica, a nível de uma cidade, seria pela fotografia. 


Processos fotográficos alternativos


Fotos da esquerda para direita: Antotipia com Flor de Bougainville, antotipia com extrato de caiuia e fitotipia com a agroecologista Joelma


Elegendo a mudança como mote do projeto, sendo o mesmo entrecortado constantemente por estados de transição, o fotógrafo Danilo Galvão sugeriu que a antotipia e a fitotipia, processos fotográficos que envolvem a utilização de pigmentos vegetais como material fotossensível, guiassem este trabalho artístico. Assim, encontrou no trabalho de Roberta Guimarães pontos em comum com o desejo que lhe movia. Eu nunca tinha trabalhado com a técnica, mas acredito que ela, além de aproximar a botânica da fotografia, também permite um processo de contemplação da imagem enquanto resgate de identidade territorial. Me lembrei então de uma apresentação de Roberta sobre o projeto Árvore da Palavra, na 7ª edição do Pequeno Encontro da Fotografia, e a convidei para participar da iniciativa conosco”, relembra. 


Efêmera e imprevisível, a antotipia é uma técnica à qual a fotógrafa Roberta Guimarães já estava familiarizada, mas que, ao longo do desenvolvimento do projeto, foi se aprofundando ainda mais nas suas nuances imprevisíveis. Enquanto estávamos no sítio de Fábia, experimentando com a técnica, íamos notando as diferenças no processo de impressão — o urucum quando está mais fresco, por exemplo, funciona de uma forma. Quando está velho, já não fica tão bom. A gente descobriu a caiuia, uma frutinha dada aos peixes da região, que traz uma cor bem interessante, mesmo não sendo um estrato tão conhecido. São processos de transição, não se sabe o que vai acontecer com a obra”. 


“Estamos muito acostumados com os processos instantâneos e registros imediatos que as redes sociais nos possibilitam, tudo já está pronto. Em contraste, existe ali na feitura da antotipia e fitotipia um processo de contemplação, de calmaria.”

(EM)Transição


Imersão agroecológica


Parte da Associação Vida Agroecológica, Fábia Lima conta que foi em uma das reuniões mensais dos agricultores, situadas no Mercado da Vida, um estabelecimento organizado por processos autogestionários de mais de vinte famílias agricultoras do município, que a equipe de (EM)Transição veio apresentar o projeto aos trabalhadores e contemplá-los com a participação na iniciativa. Por votação, eu fui escolhida para ser a articuladora local”, conta a agricultora.


A casa de Fábia Lima foi um dos onze sítios de agricultores da Associação visitados para os momentos de imersão no projeto. Os participantes do projeto estavam naquele espaço para fazer as pesquisas das plantas, medicinais e nativas, que poderiam ser usadas no processo de antotipia e fitotipia. Além dessas imersões, entre março e junho deste ano, sempre às sextas, que é o dia usual da feira, tinham oficinas lá no Mercado da Vida onde os agricultores podiam participar, mas dessa vez para aprender a técnica”.



O coletivo e a apropriação da linguagem 


A experiência fez confluir a vivência coletiva dos agricultores com a apropriação da linguagem fotográfica ecológica. Marcado por um exercício de escuta e sensibilidade, o processo também reforçou a contribuição da imagem para a construção da identidade local, como bem relembra Danilo ao contar a história de Seu Luís, um dos agricultores da Associação. “Montamos um pequeno estúdio no Mercado para poder fotografar as atividades e os participantes. Lembro que ele, com os seus 70 anos de idade, dizia que ‘era amostrado, porque ninguém é invisível e todo mundo já nasceu pra ser visto’. Esse entendimento, mesmo que simples, me marcou muito e nos acompanhou ao longo do projeto. Estamos ajudando a nós mesmos a construir uma identidade, uma imagem sobre quem somos a partir desses registros”.


(EM)Transição - antotipia com extrato de urucum


Para Paulo, a residência conseguiu, ao se apropriar das técnicas fotográficas alternativas, encontrar formatos coerentes com a agroecologia, não só para dar visibilidade a essa temática, mas para permitir uma troca acessível com os participantes. “A beleza do projeto está na facilidade da réplica, já que não é um processo que requer muito em termos financeiros. Isso já contribui para democratizar a experiência e não distanciar as pessoas do processo”.


(EM)Transição – Pesquisa cultural em fotografia e agroecologia não só se debruça sobre a paisagem, compreendendo de que forma esse território se modifica a partir da ativação do sujeito, como também convoca esse sujeito, seja um agricultor no campo, que implementa diariamente as ecotecnologias sociais, ou fotógrafos vencedores em premiações, a pensar a imagem para além de um meio de registro, comunicação e criação, mas como espaço de salvaguarda da memória ambiental. 

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